Inspirando-se nos filósofos Deleuze, Bergson e Espinosa, o
professor Cláudio Ulpiano nos
ensina que somos constituídos por uma
estrutura sensória-motora. A parte sensória compreende nossos órgãos da
sensibilidade que veem, ouvem, provam ,
tocam , enfim, sentem o mundo. Essa parte sensória são aberturas, como portas e janelas, para o mundo.
Da estrutura motora fazem parte nossas pernas,
braços e músculos: são os instrumentos com os quais agimos sobre o mundo. Já a parte sensória percebe o mundo sob a forma de
cor, som, texturas, sabores, e conecta esses elementos com nossa mente , para
assim formarmos ideias sobre o mundo.
Porém , vivemos numa realidade que, desde a infância, vai nos moldando por fora e por dentro padrões
de comportamentos utilitários , padrões que
passamos a reproduzir sem mesmo notá-los, de tal modo que os naturalizamos como “normalidade”.
Moldando-nos a um mundo onde tudo parece ter seu preço, o mundo capitalista-utilitarista-pragmático reduz
tudo à lógica do mercado, cujos valores a mídia comercial reproduz e propaga mediante
produtos culturais padronizados.
Essa “Matrix” ou “Caverna de Platão” mantêm nossa estrutura sensória no mais baixo grau de potência, para assim nos
adaptar ao roteiro de uma vida
controlada pelo relógio, pela agenda, por “bater metas”, enfim, por tudo aquilo que, cedo ou tarde, nos
adoece.
E o lugar onde esse adoecimento se anuncia é exatamente na sensibilidade, quando dela
nascem sentimentos que traduzem uma vida despotencializada. Geralmente, o
dinheiro que se ganha vivendo uma vida assim é gasto com consumos anestesiantes . Sem falar nas religiões que cultuam
esse adoecimento existencial para lucrar financeira e politicamente com ele.
O remédio mais potente para esse adoecimento de nós mesmos não vem da
indústria farmacológica e seu comércio; o remédio mais potente pode vir da arte e sua gratuidade.
A palavra “clínica” significa : “chegar perto, debruçando-se”. O mau médico olha
de longe seu paciente, fazendo deste um mero objeto . Mas o bom médico é sempre
um clínico: ele chega perto para ver, ouvir e tocar , agindo em favor da saúde
do corpo e da mente. O clínico se
debruça sobre uma vida para envolvê-la com cuidados que salvam.
Também a arte pode ser clínica na
medida em que ela nos auxilia a nos debruçarmos sobre nós mesmos, pessoal e
coletivamente, para assim pensarmos, com crítica , nossas relações com o mundo.
Pois a arte liberta nosso sensório do agir meramente reativo e
reprodutor de comportamentos clicherosos, despertando-nos olhos, ouvidos , gostos e tatos para apreendermos
realidades que a arte cria para nos
fazer pensar , sentindo.
A arte liberta e potencializa o
sensório, ao mesmo tempo que quebra e interrompe um agir-motor meramente mecânico e reprodutor
de modelos, tais como esses modelos de vida que a propaganda nos empurra junto
com a imagem de margarinas, carros e
contas de banco.
Quando o sensório é liberto do mero agir mecânico, nosso próprio corpo também se liberta de condicionamentos
reativos, tornando-se o instrumento ativo de um pensar crítico, clínico e criativo.
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