sábado, 7 de agosto de 2021

destino e linhas de fuga

 

Os filósofos e poetas gregos falavam do “Destino”. Na mitologia ,  o Destino era representado por três sinistras irmãs : as Moiras. Elas eram cegas, porém  tinham à mão um estranho olho de vidro com dom de ver passado, presente e  futuro. Esse olho é o tataravô das “bolas de cristal” , nas quais  se crê antever o que os nossos  dois olhos  não veem.

Uma das Moiras puxava o fio da vida, outra o esticava, enquanto a terceira o cortava rindo e zombando , como se cortar o fio da vida  fosse uma diversão macabra. Com o fio, as Moiras fabricavam uma “ordo”, uma “urdidura” ,  isto é, uma “Ordem” da qual ninguém conseguia escapar. A “ordo/urdidura”  era feita com linhas retas na horizontal e na vertical, como as grades de uma prisão.

Muito diferente era o fio de Ariadne: fio do Afeto, fio da Arte. Enquanto o fio das Moiras estava preso a uma roda ( a “Roda da Fortuna”), o fio de Ariadne era puxado   de um novelo, e assim libertado  . Quanto mais se confia nesse fio, menos as Moiras conseguem cortá-lo.

“Con-fiar”: “fiar junto”, pois fia junto quem tece novos elos  (“novelo”: “novo elo”). O fio de Ariadne é puxado de uma potencialidade que se desdobra em novos elos a serem tecidos e ousados. 

Enquanto o fio do Destino é “ordo”, “Ordem”, o fio de Ariadne serve para tecer tramas. A trama é feita de linhas transversais formando curvas , desvios, “clinâmens”, espirais...Toda trama borda    uma linha de fuga que afirma a liberdade a despeito da malha férrea das Ordens Sinistras.

As Moiras  puxavam o fio da roda, o esticavam , para enfim cortá-lo. Elas eram incapazes de bordar, pois bordar é tecitura da arte enquanto força que estende ao máximo o fio da vida, vencendo  aqueles que o querem cortar.

Toda bordadura parte de uma Ordo/Ordem, porém lhe acrescenta tramas criadoras de caminhos que nos fazem transpassar as grades ( físicas ou simbólicas).

A gramática é urdidura , mas trama é a poesia; urdidura é a família,  porém trama é o amor; cartilhas são urdiduras, já pensar é trama que confia em sua força libertária.

As Moiras  cobriram Bispo do Rosário com  lençóis que mais pareciam mortalhas , porém Bispo do Rosário desfez o fio dessas grades  e com ele bordou sua  linha de fuga sob a forma de manto e asas. Apesar da  “Moira Social” que o urdiu louco,  Bispo do Rosário teceu  sua transversal, e assim tramou sua criativa  lucidez como fuga da  normalidade  reta dos que pensam igual.

Embora toda trama parta de uma urdidura, nenhuma urdidura pode determinar que trama se inventará a partir dela.

 

“A reta é uma curva que não sonha.” (Manoel de Barros)


“Não há linha reta, nem nas coisas e nem na linguagem.” (Deleuze)


“Quero descrever o voo de um pássaro

escrevendo com a pena de uma asa.” (Guimarães Rosa)

 

 

 (foto: Bispo do Rosário e suas asas)






2 comentários:

Marisa Silva disse...

Olá, que texto incrível! Gostaria de te convidar pra vir no Fio às cinco em Pontos, pelo Instagram pra fazer uma abertura poética pelo Instagram marisilvabordadeira. Um abraço, grata!

Elton Luiz Leite de Souza disse...

Olá, Marisa. Obrigado. Não possuo instagram, apenas facebook e este blog. Abraços.