domingo, 18 de novembro de 2018

- o filho do Príncipe

Tempos atrás ganhei de presente um jovem canário. A pessoa que me deu já o tinha batizado de “Príncipe”. De fato,  assim ele era: um “Príncipe”, no porte e no canto. Não gosto de gaiolas, sou contra prender os seres, ainda mais os que têm asas. Mas não queria fazer  desfeita. Aceitei o canário. Com o tempo, adquiri feição por ele, e ele por mim. Bastava eu chegar em casa que ele já começava a cantar. Ele passou a confiar em mim a tal ponto que comia  alpiste em minha mão. O tempo passou, ele envelheceu. Mas ainda havia nele vida. Decidi então que o Príncipe não podia morrer na gaiola sem conhecer o que é voar livre. Levei-o ao Parque do Flamengo, lugar amplo e arborizado. Quando abri a gaiola e o apanhei, pela primeira vez ele bicou minha mão. Parecia que ele adivinhava o que eu queria fazer: libertá-lo de mim. Ele não compreendia que aquele ato também me  era doído , mas nascia do meu amor por ele. Quando o soltei, ele mal conseguiu voar. Creio que ele compreendeu que suas asas estavam atrofiadas. Ele pousou na grama, olhou ao redor, parecendo admirado com o horizonte tão perto. Virei as costas e fui embora. Mal caminhei alguns passos não resisti e  me virei para a “última olhada”. Ele não estava mais lá... Passados mais de 10 anos do fato, sempre que passo por ali inadvertidamente o procuro nos galhos, mesmo com a realística razão sempre a me dizer que eu nunca mais o verei...
 Hoje, porém, sai bem cedo para deambular . Fui sem roteiro prévio, andei muito. De repente me vi no Parque do Flamengo e me sentei nas raízes de uma amendoeira. Estava uma manhã linda. Curiosamente, ouvi um canto estranho vindo dos galhos. Levantei a cabeça e vi um tipo de canário que nunca vi antes: parecia um pardal! Tinha a cor  e o jeito de um pardal, mas cantava como um Príncipe. Seria um mestiço?  Só então me dei conta que havia sentado exatamente a poucos metros de onde  libertei  o Príncipe anos atrás. Tentei segurar a imaginação, mas não consegui, ela foi mais forte, como sempre ela é mais forte em mim do que os objetivos fatos. Retornei mentalmente àquela manhã do passado, e vi o que aconteceu quando fui embora: de um galho, uma pardal observava toda a cena. Vendo o Príncipe em perigo e  perdido no meio da liberdade, ela desceu e  pousou ao lado dele  e o levou consigo para aprender a ser livre .  E assim o Príncipe foi salvo pela pardal livre . Juntos construíram ninho e engendraram uma nova raça.


Nenhum comentário: