segunda-feira, 8 de agosto de 2016

oração de um condutor de coletivo

Eternidade é uma palavra muito encostada em Deus,
e pouco encostada nos homens...
Sou ínfimo para entendê-la.
Manoel de Barros

Quando  vejo que vai bater de frente, piso no freio, desvio. Não por medo de colisões, mas porque dirijo um ônibus cheio de crianças, idosos, grávidas, jovens, alguns adultos... Também nele há plantas, bichos, seres selvagens e domesticados.Nunca cobro passagem. Entra e segue comigo somente quem ama a estrada, sem cobranças : "a estrada põe sentido em mim", diz o poeta. Não tenho itinerários, somente itinerâncias . Minha estrada é uma linha de fuga. Se for preciso, modestamente freio ou desvio, mas para seguir em frente, indo.
Muitos, ao contrário, quando veem que há outro no seu caminho aceleram e buscam o choque , o ódio recíproco.Em geral são seres que conduzem , solitariamente,  seus ressentidos fusquinhas ou suas arrogantes mercedes ,pois mesmo que a mercedes esteja cheia de gente, será um solitário quem a conduz se a dirige não em razão da estrada ou da viagem, mas apenas por causa da mercedes que se quer ostentar;e  apenas de forma interesseira lhe acompanharão os que estiverem ao seu lado, sempre por causa da mercedes, e não da viagem;também costumam pisar no acelerador  e buscar o choque os insones condutores de carretas  carregadas de ferro, chumbo, máquinas .
Piso no freio mesmo se vem na minha direção um fusquinha ou uma mercedes, embora facilmente poderia lhes causar um dano, se um choque houvesse.E nunca vou na mesma direção em que vai uma carreta amontoada apenas de coisas, pois tais carretas  vão para o mercado onde tudo tem seu preço, onde se compra e se vende.
E que sigam seu caminho, se é para a felicidade que eles pensam ir,os homens e suas velozes mercedes ( até mesmo diminuo minha velocidade para deixar que eles me ultrapassem, embora não estejamos indo para o mesmo horizonte).
E que Deus me dê sempre a visão, a firmeza, a modéstia e a paciência de  saber   quando é  a hora de pisar no freio, para não destruir ou ser destruído, e de quando é a hora de acelerar, sempre rumando em frente.
Transporto sonhos, delírios, manifestos, utopias, comédias, tragédias, fabulações, metafísicas, subversões, poesias, constituições, contemplações...Transporto um "afloramento de falas" , pois transporto o que me transporta: transporto livros.












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