Ele
era um “ronin”. Literalmente, um “homem-onda”. “Ronin” era o nome que recebia o
samurai sem mestre. Um ronin era como uma onda, uma “vaga”: eles se tornaram
então andarilhos, deambuladores, itinerantes, nômades. Pareciam mendigos e
vagabundos, e apenas isso de fato seriam, se os homens se definissem apenas
pelas aparências e roupas.
Em
determinado momento da história do Japão, os samurais se desterritorializaram,
pois somente assim poderiam continuar a serem samurais, homens livres, uma vez
que os territórios passaram ao poder (potestas) dos senhores feudais. Antes, cada
samurai possuía um mestre, cujo poder advinha da sua destreza e maestria, além
da sabedoria. Era subordinando-se a um mestre que um samurai aprendia a como
ser um samurai, “mestre de si”. Essa subordinação nada tinha a ver com servilismo,
pois a condição de servo é incompatível com a natureza do samurai.
Só
se aprende a ser samurai com outro samurai que já o seja mais. Impossível se
tornar samurai sem ter tido um mestre. Pois ser um samurai é sempre um
aprendizado de como sê-lo. Saber usar a espada é somente parte do aprendizado.
Primeiro, é preciso saber usar a mente. O maior dos mestres samurais também
teve mestre. O samurai que aprende confia em seu mestre , pois nenhum samurai tem dois mestres. Além disso, todo samurai sabe
que não houve um primeiro samurai que aprendeu a ser samurai do nada. Nunca
houve um primeiro samurai que tenha sido o “mestre dos mestres”. O que sempre existiu, para um samurai, é a necessidade de aprender a ser um samurai. O melhor samurai não é o
que sabe mais, porém o que melhor aprendeu. Assim, o ronin não tinha mais
mestre porque ele mesmo já não poderia ser o mestre de novos samurais.Pois esse é o sentido de se ter um mestre: é preciso um para se tornar mestre , mestre de si. O samurai é aquele que sabe achar um mestre, mais do que querer se impor como um.
Há
diferença de potência entre os samurais, assim como há diferença de graus entre
os tons de azul. Cada tom de azul é uma perspectiva diferente acerca do mesmo
azul, e inexiste um azul puro existindo à parte dos graus do azul. Mas existem graus onde
o azul está mais forte: nestes o azul existe mais.Uma perspectiva diverge da outra no
seio de algo que lhes é comum, assim como os graus divergem entre si em razão
da cor azul comum. Todavia um samurai e um
servo não possuem nada em comum, e é por isso que um servo não tem perspectiva,
ele é destituído da potência de divergir: ele apenas concorda, aceita,
submete-se ao incolor poder.O que caracteriza um servo, tanto no Japão medieval quanto nas épocas informatizadas que correm, é a carência de uma vida que desconhece a presença de um mestre.
Um
mestre samurai nada tem a ver com um senhor feudal.Este quer o monopólio de
sua vontade como imperativo para todos que ele pretende dominar, ao passo que o
mestre samurai, com seu exemplo, ensina cada discípulo a se fortalecer como
samurai, isto é, como homem livre.
Os senhores feudais ganharam poder com a introdução, no Japão, da arma de fogo . Já os samurais consideravam
que a arma de fogo não era digna dos homens corajosos e nobres: apenas os medrosos se enfrentam de longe, à distância, e , covardemente, não dispensam oportunidades para atirar pelas costas. Além disso, para
o samurai a boa espada é aquela que menos precisa ser desembainhada, pois antes
dela deve prevalecer a força da palavra e do caráter. Mas caso ela precise ser
desembainhada, nunca o será para servir à covardia, ao mero poder pelo
poder e à vilania. E muito menos será
usada para atingir pelas costas.
O
filme Depois da chuva narra a
história de um ronin, um samurai-andarilho que não se vende aos senhores
feudais.Os senhores feudais e os samurais já não pertencem ao mesmo mundo. Os
senhores feudais tentam comprar os
samurais, oferecendo-lhes chefia de exércitos, querendo fazer deles generais e
ostentadores de medalhas e títulos. Contudo, um general somente existe em razão
de uma hierarquia de poderes, estando ele acima, e os comandados abaixo.Entre
os samurais, porém, não existe acima, a não ser como lugar onde vive a honra, e
não existe abaixo, senão como baixeza servil dos que adulam, se ajoelham,
baixam a cabeça, dissimulam e se vendem.
Recusando-se
a usar sua sabedoria e potência a
serviço dos que desconhecem o que é
nobreza e honra , os samurais se tornam nômades-andarilhos, seguem sem destino
pelos caminhos, fiéis ao que são e aprenderam , não cedendo aos que põem em
tudo um preço. Se sabem os últimos homens livres, tendo sido os primeiros.
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