(Vermeer, Vista de Delft, 1660/1661)
Do
ponto de vista arquitetônico, um prédio, uma casa, é como uma caixa: possui
quatro lados, dos quais o da frente é a fachada. Esta é como um rosto, uma
face: é na fachada que a casa ganha uma dimensão expressiva. Na visão barroca,
visão esta compartilhada por Espinosa, a fachada não era considerada como mera
parte externa da casa: a fachada era vista como a face interna da rua,
entendida a rua como o espaço do comum.A fachada-face da habitação barroca
trazia a expressão de um rosto que não era determinado apenas pelo mundo de
dentro, subjetivo e privado ( o interior da casa), pois tal rosto era a
expressão da relação entre a esfera privada e a pública, entre o subjetivo e o
político,enfim, entre o habitar e o ser.Daí a fachada da casa barroca ser uma
superfície expressiva na qual se via arte.
Hoje,
construídos em vidro e alumínio, a face dos prédios se tornam espelhos que
refletem outros prédios espelhados.Cada um devolve para o outro o mesmo reflexo
de um outro reflexo, nos quais não se vê um rosto, apenas a máscara sem
identidade do Capital: os prédios que sobem aqui são os mesmos que se elevam em
Boston , Cairo ou Pequim. Os prédios envidraçados espelham outros prédios
envidraçados nos quais se veem, deformados, os mútuos reflexos :e é assim
que se cria a norma e o padrão de tais obras sem memória. A superfície
remete à outra superfície, sem outro conteúdo a não ser nada deixar
escapar à função e à forma.
Enquanto
as construções góticas, tais como se vê nas catedrais, queriam ser elevadas
para assim se aproximarem do céu em que acreditavam , sobem os prédios modernos
cada vez mais alto, mas para quererem do céu serem os donos. Tal como os
antigos colonizadores expulsaram da terra os índios, os neocolonizadores do céu
"pós-moderno" esvaziaram-no dos mitos, da filosofia e da
poesia, e especulam sobre o vazio criado, tal como o especulador agrícola contabiliza
a terra da qual ele arrasou a floresta. E, para tal ,competem ,
“empreendem”, “focam”, “agregam valor”, “batem metas” ; e fazem crescer a
indústria da segurança e das armas, bem como o lastro de "oportunidades"
da indústria farmacológica cujo carro-chefe são os
medicamentos tarja-preta .
À
altura em que esses espelhos de espelhos sobem, não mais se pode refletir a
imagem do homem.
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