Segundo Manoel de Barros, poeta não é exatamente quem faz rimas e
versos, poeta é quem possui e exerce uma
visão fontana, uma visão que é fonte para a gente potencializar ainda
mais o nosso ver.
“Fontana” é a qualidade
de tudo o que é fonte, seja fonte de água ou de ideias, e “fontanejar” é a
maneira que toda fonte tem de sair de si e se doar, generosamente : “A cisterna
contém, a fonte transborda” (Blake).
A visão fontana não é uma visão que constata o
meramente dado; ao contrário, ela é uma visão que vê , antes, o sentido
enquanto alma viva das coisas, sobretudo
daquelas que ainda não existem e precisam ser ousadas, criadas, aprendidas e
ensinadas.
As águas que nela fontanejam a
fonte as sorve do chão. Porém, antes de estarem sob o chão, essas mesmas
águas já estiveram, outrora, no céu
: elas foram gotículas suspensas no alto da atmosfera , e depois caíram como chuva que entrou pelos poros da
Mãe-Terra. É de uma fonte assim que também fala Nietzsche: “Onde quer que
estejas, cava profundamente; a teus pés está a nascente.”
Essas mesmas águas
fontanas também já circularam no interior dos animais, como
sangue e suor ; elas foram igualmente
fluxo de primavera quando a neve no pico das montanhas derreteu; essas águas fontanas já foram orvalho nas flores, seiva nos troncos
e ,nos frutos, o doce sumo; elas já foram lágrimas de dor, lágrimas de alegria;
e envolvendo e protegendo o feto, essas mesmas águas já foram líquido vital no interior da placenta.
Um dia tais águas fontanas
sustentaram a Terra, como nos faz crer Tales, o pensador originário; e Cristo
fez delas vinho, o sangue de toda festa; e é nesse fluxo de vida sem limites que nada e mergulha, livre, a indomável Moby
Dick.
E todos, insetos e
humanos, flores e animais, até mesmo a Terra, todos bebem dessas águas fontanas
para se manterem vivos.
É esse fluxo que se
metamorfoseia e enche de vida tudo ( como a Natureza Naturante de que fala
Espinosa) , é essa Vida
transbordante que o poeta vê e sente ,
primeiro nele, para fazer com que a palavra por ele fontaneje e seja como água
fértil para os que têm sede de vida potente.
Enfim, como também ensina
o pensador-escritor argentino Julio Cortázar: “Há um estado de intuição para o
qual a realidade, seja ela qual for, só pode ser formulada poeticamente,
segundo modos poemáticos; e isso porque
a realidade, seja ela qual for, só se revela poeticamente”.
( perdoem-me citar a mim mesmo...rs... é que o texto da postagem é parte
deste livro que escrevi: na cena da
capa, apesar do maciço obstáculo , a vida fontaneja pela fenda ...)
Nenhum comentário:
Postar um comentário