Segundo Espinosa, há dois tipos de
seres: o que existe em si , e que só de si depende para existir ( sendo causa
de seu próprio existir) , e o que existe em outro, neste outro que depende só de si para existir.
Deus, a Natureza, é o que existe em si, já os outros seres , os que dependem da
Natureza para existirem , são modificações , modos ou maneiras de ser da Natureza.
Deus , ou a Natureza, é o único
existente cuja essência implica necessariamente a existência, uma vez que a
essência de Deus é existir. Como Deus é único, não existe nada fora dele que possa
agir sobre ele, fazendo-lhe
padecer efeitos. Pois todo padecer é uma forma de constrangimento indicando
passividade. Assim, todas as modificações de Deus são ativas: são produzidas por ele mesmo.
Essas modificações ( ou afecções) ativas são Deus mesmo, porém compreendido de certa maneira : não de uma
maneira apenas, mas de infinitas maneiras.
Na definição da essência de um modo finito
singular, ao contrário, não está
implicada a existência desse mesmo modo, tampouco quanto tempo ele vai durar,
isso porque toda existência depende de Deus de forma primeira.
Na definição de Homem, por exemplo,
não está implicado em sua essência quantos homens existem , e nem quanto cada
um durará em suas vidas. Mas como “Homem” é uma ideia abstrata , o Homem não
existe, o que existe é Pedro, Maria, José, Ana...Porém a existência de cada ser singular , quanto
tempo de vida eles terão, não está incluída em suas respectivas essências, de
onde se conclui que a existência de cada modo singular vem de fora de suas respectivas
essências. Para cada modo singular finito, existir é abrir-se ( ou desabrir-se,
como diz Manoel) a um fora. Ou seja, existir é viver relações.
Cada modo singular finito é uma
modificação de Deus. Enquanto tal, todo modo singular finito é eterno. Não
apenas a essência de um modo singular finito não pode existir e ser compreendida sem
Deus, também não pode ser compreendida, e muito menos existir, a existência
desse mesmo modo singular finito. Pois sua existência se explica pela
existência de Deus enquanto este se expressa pela existência de outros modos
finitos existentes diferentes.
Por exemplo, Pedro é filho de João. A
existência de Pedro se explica , de certa maneira, pela existência de João. Mas
João não é causa da existência de Pedro. Se o fosse, Pedro existiria em João, e
a existência de Pedro só poderia ser/existir e ser compreendida pela existência
de João, o que é um absurdo . Assim, a existência de Pedro implica a existência
de João enquanto este implica a existência de José, pai de João e avô de Pedro.
Ou melhor, a existência de Pedro implica também a existência de Maria e de Ana,
sua mãe e avó , respectivamente.
Mas a existência de Pedro, de João,
de José, de Maria...implica ainda a existência de seus ancestrais, cuja
existência implica a existência da terra, que implica por sua vez a existência do sol, e a existência deste implica
a do universo, que implica ainda a
existência do infinito. Ou seja, a própria existência de Pedro enquanto modo
singular finito , por onde começamos nosso exemplo e raciocínio, implica a
existência do infinito, isto é, de Deus enquanto se expressa de infinitas
maneiras , inclusive como outros modos finitos
diferentes de Pedro ( João, Maria, Ana, José, terra , sol, estrelas, universo,
cosmos...).
Para Espinosa, a existência de
qualquer coisa singular finita não pode ser/existir e nem ser concebida sem a existência de Deus,
o Absolutamente Infinito. É por essa razão que, segundo Espinosa, livre e sábio
não é quem se isola e busca viver à parte, como se fosse uma divindade . Ser
livre e sábio é ir para fora e compor relações . E isso também explica por que
o livro principal de Espinosa tem por título “Ética”.
Para Espinosa, por mais que muitos
sejam volúveis e não confiáveis, somos nós que não podemos ser volúveis e não
confiáveis para nós mesmos em primeiro lugar. Assim, é preferível tentarmos agir
buscando composições-agenciamentos , por mais raros que sejam, do que se
colocar em altares e , de lá, desprezar aqueles que imaginamos viverem abaixo (
ou, pior ainda, colocar-se abaixo de altares sobre os quais se colocam
indivíduos aproveitadores cujo poder
advém de nos apequenarmos...).
E aqui surge a
importância da democracia em Espinosa, não a democracia liberal representativa,
mas democracia enquanto conjunto de relações entre os modos finitos existentes ( a multitudo). A democracia não é o lugar de altares, como num templo, e nem de hierarquias
rígidas, à maneira da caserna. Tanto altares transcendentes quanto casernas rigidamente
hierárquicas impedem o pensar livre e fomentam obediência.
A própria história nos ensina que as
sociedades nas quais o altar e a caserna , extrapolando suas funções, também
querem poder político, em tais sociedades é imposta uma aristocracia militar ou teocracia , nunca uma democracia. Mesmo
porque uma democracia não pode ser imposta, e sim construída. E onde não há
democracia, não pode haver filosofia.
( este livro é apenas uma sugestão)
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