quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

autoconhecimento em Espinosa

 

Estou relendo a Ética de Espinosa. Já perdi a conta ( mesmo porque não estou contando...rs...) de quantas vezes já li essa obra. Mas a cada vez que a releio, é como se fosse a primeira vez, como se eu visse uma paisagem nova. 

Creio que é porque a leio não exatamente com os olhos da memória, e sim com os olhos do pensamento unidos aos olhos do corpo, este corpo que está mais perto dos acontecimentos , no espaço e no tempo, que alteram a vida.

Por isso, de tais (re)leituras sempre vêm ideias e emoções novas, nas quais algo é partejado em alegria.


Segundo Espinosa , todo autoconhecimento visa conhecer a ideia que somos. A ideia  que somos , porém, não pode ser encontrada ou buscada fora de nós mesmos. Pois se a ideia  que  somos estivesse fora de nós mesmos, como saberíamos se , ao encontrá-la fora de nós, tal ideia seria, no entanto, a ideia de nós mesmos?

Ideias que estão em livros entram em nós por nossos olhos , quando as lemos;  ou na voz do professor, quando com ele aprendemos ,  escutando-o. Porém, a ideia que somos não pode estar em livros, por mais instrutivos que sejam, nem na voz do professor , por mais didático que o professor seja.

Então, como encontrar e autoconhecer a ideia que somos? A semente do abacate está dentro da fruta-abacate, e faz da fruta-abacate o que ela é e não outra coisa. A semente que está dentro da fruta-abacate é para ela o mesmo que é para nós a ideia que somos. A  fruta-abacate não precisa sair procurando a semente do abacate fora dela para conhecer-se fruta-abacate.  A fruta-abacate e a semente que está nela não são duas coisas, assim como não são duas coisas, mas uma só ,  a alma e o corpo que fazem ser o que somos.

Assim, conhecer a ideia  que somos é conhecer algo que sempre esteve onde estamos : quando temos dificuldade de sabermos o que somos, essa dificuldade não se deve à ausência da ideia que somos , mas devido à ausência de nós em relação a nós mesmos.

Uma ideia nunca vive sozinha, diz Espinosa. Assim , a natureza de toda ideia, inclusive da nossa, é , quando se acha, no mesmo instante compreender-se unida a outras  ideias diferentes dela, tal como a semente do abacate que , sem perder sua singularidade, liga-se à árvore da qual proveio e  à árvore que nascerá dela. Tal como a semente, a ideia que somos é uma potencialidade[1], e não algo pronto.

E assim como a semente não pode germinar sem uma terra fértil, luz, chuvas, sol, tempo, cuidados...Nossa semente-essência  também não pode germinar sem os outros seres que nos cercam, sem uma sociedade democrática  e aberta e sem um pensar liberto do medo e dogmas servis,  para que o solo de nossas raízes rizomáticas seja o universo inteiro.


 

"Poeta é ser que vê semente germinar."

(Manoel de Barros)

 



[1] Em Espinosa não há oposição entre ato e potência: todo ato é ato da potência, embora nem sempre a potência seja tudo o que pode ( em razão, por exemplo, da tristeza-impotência   provocada pelos maus  encontros). 




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