Estou relendo a Ética de Espinosa. Já perdi a conta ( mesmo porque não estou contando...rs...) de quantas vezes já li essa obra. Mas a cada vez que a releio, é como se fosse a primeira vez, como se eu visse uma paisagem nova.
Creio que é porque a leio não exatamente com os olhos da
memória, e sim com os olhos do pensamento unidos aos olhos do corpo, este corpo
que está mais perto dos acontecimentos , no espaço e no tempo, que alteram a
vida.
Por isso, de tais (re)leituras sempre
vêm ideias e emoções novas, nas quais algo é partejado em alegria.
Segundo
Espinosa , todo autoconhecimento visa conhecer a ideia que somos. A
ideia que somos , porém, não pode ser encontrada ou buscada fora de
nós mesmos. Pois se a ideia que somos estivesse fora de
nós mesmos, como saberíamos se , ao encontrá-la fora de nós, tal ideia seria,
no entanto, a ideia de nós mesmos?
Ideias
que estão em livros entram em nós por nossos olhos , quando as
lemos; ou na voz do professor, quando com ele aprendemos
, escutando-o. Porém, a ideia que somos não pode estar em livros,
por mais instrutivos que sejam, nem na voz do professor , por mais didático que
o professor seja.
Então,
como encontrar e autoconhecer a ideia que somos? A semente do abacate está
dentro da fruta-abacate, e faz da fruta-abacate o que ela é e não outra coisa.
A semente que está dentro da fruta-abacate é para ela o mesmo que é para nós a
ideia que somos. A fruta-abacate não precisa sair procurando a
semente do abacate fora dela para conhecer-se fruta-abacate. A
fruta-abacate e a semente que está nela não são duas coisas, assim como não são
duas coisas, mas uma só , a alma e o corpo que fazem ser o que somos.
Assim,
conhecer a ideia que somos é conhecer algo que sempre esteve onde
estamos : quando temos dificuldade de sabermos o que somos, essa dificuldade
não se deve à ausência da ideia que somos , mas devido à ausência de nós em
relação a nós mesmos.
Uma
ideia nunca vive sozinha, diz Espinosa. Assim , a natureza de toda ideia,
inclusive da nossa, é , quando se acha, no mesmo instante compreender-se unida
a outras ideias diferentes dela, tal como a semente do abacate que ,
sem perder sua singularidade, liga-se à árvore da qual proveio e à
árvore que nascerá dela. Tal como a semente, a ideia que somos é uma
potencialidade[1], e não
algo pronto.
E
assim como a semente não pode germinar sem uma terra fértil, luz, chuvas, sol,
tempo, cuidados...Nossa semente-essência também não pode germinar sem os
outros seres que nos cercam, sem uma sociedade democrática e aberta e sem
um pensar liberto do medo e dogmas servis, para que o solo de nossas
raízes rizomáticas seja o universo inteiro.
"Poeta é ser que vê semente
germinar."
(Manoel de Barros)
[1]
Em Espinosa não há oposição entre ato e potência: todo ato é ato da potência,
embora nem sempre a potência seja tudo o que pode ( em razão, por exemplo, da
tristeza-impotência provocada pelos maus
encontros).
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