Muito se fala, com razão, das flores.
Rosas, girassóis, crisântemos, margaridas...Essas e outras flores já foram
homenageadas em poemas , músicas e pinturas. E
elas são sempre lembradas em
datas como hoje: o primeiro dia da Primavera...
Mas pouco se fala das flores que o
cacto também sabe produzir. Considero essa omissão uma injustiça com esse artista da
resistência.
Na dele, sem chamar a atenção ou
fazer propaganda de si, o cacto é capaz de atos que expressam dignidade e generosidade, atos ainda mais
potencializados pela beleza que ofertam
sem nada pedir em troca.
Assim age esse perseverante
resistente: o cacto é a planta que possui a maior raiz. Em alguns cactos, a extensão de sua raiz chega a nove ou dez
vezes o tamanho do corpo do cacto que vemos à superfície do chão!
Quem mede o cacto apenas pela sua
parte visível, e pensa que a parte que vê é todo o ser do cacto, por certo
ignora o que o cacto é capaz de fazer. O cacto cria imensas raízes para sondar
o subsolo , não se deixando vencer pela aridez que o cerca.
As raízes do cacto tateiam procurando
veios d’água metros abaixo da paisagem seca. Ele persevera procurando no
coração da Mãe Terra a água que o Céu lhe nega.
Quando encontra a água, o cacto
anuncia sua descoberta brotando flores: em pleno árido , ele inaugura uma
primavera, não importando que mês seja. Então, ele sorve o líquido e se
intumesce , de água fresca ficando grávido. Basta um pequeno furo para a água
jorrar matando a sede dos necessitados.
Foram os cactos do sertão nordestino
que, no passado, não deixaram morrer de sede a rebeldia de Lampião ; e a flor
que Maria Bonita punha no cabelo também floresceu de um cacto : o mandacaru,
símbolo da força do povo nordestino.
O cacto mandacaru matou a sede de Lampião e deixou a
Maria ainda mais Bonita.
Os cactos nos ensinam que resistência
também se faz com poesia e beleza. Tal lição foi aprendida pelo poeta nordestino João Cabral de Melo Neto, que
dizia: “Quando não pode ser cristal, a poesia vale pelo que tem de cacto.”
E não podia faltar Manoel de Barros...rs...,
que assim empoema: “Eram os passarinhos que colocavam primaveras nas palavras.”
( Imagem: apesar da aridez em torno,
o cacto mandacaru produz , perseverante, a sua primavera...)
E quinta foi o Dia da Árvore. As mentalidades
obscurantistas sempre desprezam a natureza, já nos ensinava Espinosa. Esse desprezo é um sintoma de ódio
à vida. Pois natureza não é apenas a ecologia do natural, natureza também envolve
a ecologia mental ( a ecosofia), na qual certas ideias são como as árvores:
produzem oxigênio. Mas mentes poluídas , como as dos obscurantistas, só exalam ideias que envenenam... Como homenagem
às árvores tão ameaçadas, assim como os povos das florestas , um devir-árvore
do poeta:
CANÇÃO DA PRIMAVERA / de Mário
Quintana
Primavera cruza o rio
cruza o sonho que tu sonhas.
Na cidade adormecida
primavera vem chegando.
Catavento enlouqueceu,
ficou girando, girando.
Em torno do catavento
dancemos todos em bando.
Dancemos todos, dancemos,
amadas, mortos, amigos,
dancemos todos até
não mais saber-se o motivo…
Até que as paineiras tenham
por sobre os muros florido!
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