sábado, 23 de setembro de 2023

o cacto e sua primavera

 

Muito se fala, com razão, das flores. Rosas, girassóis, crisântemos, margaridas...Essas e outras flores já foram homenageadas em poemas , músicas e pinturas. E  elas são  sempre lembradas em datas como hoje: o primeiro dia da Primavera...

Mas pouco se fala das flores que o cacto também sabe produzir. Considero essa omissão  uma injustiça com esse artista da resistência.

Na dele, sem chamar a atenção ou fazer propaganda de si, o cacto é capaz de atos que expressam  dignidade e generosidade, atos ainda mais potencializados pela beleza que  ofertam sem nada pedir em troca.

Assim age esse perseverante resistente: o cacto é a planta que possui a maior raiz. Em alguns cactos,  a extensão de sua raiz chega a nove ou dez vezes o tamanho do corpo do cacto que vemos à superfície do chão!

Quem mede o cacto apenas pela sua parte visível, e pensa que a parte que vê é todo o ser do cacto, por certo ignora o que o cacto é capaz de fazer. O cacto cria imensas raízes para sondar o subsolo , não se deixando vencer pela aridez que o cerca.

As raízes do cacto tateiam procurando veios d’água metros abaixo da paisagem seca. Ele persevera procurando no coração da Mãe Terra a água que o Céu lhe nega.

Quando encontra a água, o cacto anuncia sua descoberta brotando flores: em pleno árido , ele inaugura uma primavera, não importando que mês seja. Então, ele sorve o líquido e se intumesce , de água fresca ficando grávido. Basta um pequeno furo para a água jorrar matando a sede dos necessitados.

Foram os cactos do sertão nordestino que, no passado, não deixaram morrer de sede a rebeldia de Lampião ; e a flor que Maria Bonita punha no cabelo também floresceu de um cacto : o mandacaru, símbolo da força do povo nordestino.

O cacto  mandacaru matou a sede de Lampião e deixou a Maria ainda mais Bonita.

Os cactos nos ensinam que  resistência  também se faz com poesia e beleza.  Tal lição foi aprendida pelo  poeta nordestino João Cabral de Melo Neto, que dizia: “Quando não pode ser cristal, a poesia vale pelo que tem de cacto.”

E não podia faltar Manoel de Barros...rs..., que assim empoema: “Eram os passarinhos que colocavam primaveras nas palavras.”

 

( Imagem: apesar da aridez em torno, o cacto mandacaru produz , perseverante, a sua primavera...)





E quinta  foi o Dia da Árvore. As mentalidades obscurantistas sempre desprezam a natureza, já nos ensinava  Espinosa. Esse desprezo é um sintoma de ódio à vida. Pois natureza não é apenas a ecologia do natural, natureza também envolve a ecologia mental ( a ecosofia), na qual certas ideias são como as árvores: produzem oxigênio. Mas mentes poluídas , como  as dos obscurantistas, só exalam ideias que envenenam... Como homenagem às árvores tão ameaçadas, assim como os povos das florestas , um devir-árvore do poeta:






CANÇÃO DA PRIMAVERA / de Mário Quintana

 

Primavera cruza o rio

cruza o sonho que tu sonhas.

Na cidade adormecida

primavera vem chegando.

 

Catavento enlouqueceu,

ficou girando, girando.

Em torno do catavento

dancemos todos em bando.

 

 Dancemos todos, dancemos,

amadas, mortos, amigos,

dancemos todos até

não mais saber-se o motivo…

Até que as paineiras tenham

por sobre os muros florido!





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