segunda-feira, 4 de setembro de 2023

Compreensão e interpretação em Espinosa

 

Para Espinosa, o entendimento nunca interpreta, e sim compreende. Compreender e interpretar são atividades diferentes da mente. Compreender é atividade do entendimento , interpretar é atividade da imaginação.

Toda interpretação incide sobre signos. Um signo é um tipo de realidade que não extrai seu sentido de si mesmo, mas de outra coisa. Uma palavra escrita, por exemplo, é um signo que remete ao autor que a escreveu; uma pegada na areia  , por sua vez, é uma marca-signo que aponta para alguém que por ali passou.

Um signo , portanto, sempre remete a outra coisa que ele mesmo: entre ele e essa outra coisa há um intervalo, um espaço, uma ausência.  É a imaginação que vem ocupar esse espaço-ausência, e aqui reside o perigo que pode haver em toda interpretação, uma vez que imaginar não é conhecer, não é pensar.

O entendimento, ao contrário, apreende as próprias coisas , seus movimentos e relações  , e não os signos que elas deixam  . O entendimento se instala no que é, e não em ausências.

O risco da imaginação é quando aquele que interpreta imagina que está conhecendo as próprias coisas, não percebendo dessa maneira que sua interpretação é apenas uma interpretação. Quem não percebe que imagina, delira que sua interpretação é um acesso  único e privilegiado às  próprias coisas, não admitindo assim  interpretação diversa da sua. E isso é ainda mais perigoso quando essa interpretação imaginativa-delirante ambiciona poder político, ou melhor, poder teológico-político.

 O homem da imaginação delirante imagina Deus por intermédio de signos que requerem obediência, já Espinosa compreende a Natureza Naturante como Causa Imanente de tudo o que existe, assim aumentando nossa potência de pensar livre,  sem obediência e submissão a poderes delirantes. A imaginação delirante propaga medo e superstição, o entendimento que compreende desperta amor e alegria.

A interpretação-imaginação  somente atinge sua plena potência e positividade  na arte,  quando interpretamos um poema, um filme, uma exposição, enfim, uma obra de arte que a gente , antes de tudo, sente pensando, pensa sentindo. Aqui, compreendemos a própria potência da imaginação como arte de preencher vazios e dar sentido às nossas experiências/vivências, uma vez que na arte os signos não remetem  à outra coisa, mas à   potência que eles têm de expressarem, criando,  o sentido.

Na filosofia e na ciência, o entendimento pode até se valer da imaginação e suas imagens como auxiliar didático. Porém, na filosofia e na ciência é sempre a compreensão que vem primeiro , e se coloca como meio que orienta o interpretar da imaginação ; ao passo que  na arte o interpretar se mostra como potência  da imaginação ativa , que assim expressa, por imagens, sons e cor,  aquilo que o entendimento compreende por meio das ideias. 





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