Segundo Espinosa, nós nunca somos um “copo
vazio”. Também nunca estamos apenas pela metade. Nós estamos sempre cheios,
embora nem sempre tenhamos consciência disso.
A questão importante está no conteúdo
que vem preencher-nos. Há os que são preenchidos pelo ódio , ressentimento...até
mesmo pela ignorância, pois a ignorância não é um vazio, ela é um conteúdo
tóxico do qual nascem ações e palavras
destrutivas, apequenadoras.
Nesse ponto, Espinosa diverge de
certas visões orientais da felicidade e do (auto)conhecimento, segundo as quais
é preciso “esvaziar” o pensamento.
Para Espinosa, é impossível esvaziar
o pensamento , pois é impossível anular o corpo. Pensamento e corpo , segundo
Espinosa, são aspectos diferentes de uma mesma realidade.
O corpo não é um entrave ao
pensamento, pois não há pensamento potente e ativo sem um corpo que , no campo da ação, coloque as ideias em
prática.
“Prática” não é mera agitação motora,
pois saber olhar, ouvir, respirar,tocar
e mesmo meditar, também são práticas corporais de um corpo expressivo, sensível,
não narcísico.
Assim, para Espinosa, a questão não é
nos esvaziar, pois isso é impossível. A liberdade, e com ela nossa saúde
mental, está em buscar , como a primeira
das necessidades, a realidade-conteúdo com o qual devemos nos preencher para sermos
de vida fortalecidos.
E aqui é preciso fazer um ajuste nessa
imagem do copo, pois o copo de que fala Espinosa não é o copo literal, e sim
nossa mente. No copo literal, o recipiente recebe e amolda o líquido à sua
forma, sem que ele, o copo-recipiente, mude de tamanho.
Mas quando se trata dos conteúdos que
preenchem a mente, acontece algo diferente. De fato, o copo-mente nunca está
vazio, porém há certos conteúdos que diminuem a amplitude da mente, conforme a
mente é preenchida por eles.
O ódio, a ignorância , o
medo...preenchem a mente fazendo-a diminuir de tamanho e amplitude , de tal
modo que nada mais consegue entrar nela: cada vez mais, ela pensa e compreende
menos. E o mais estranho: mesmo a ignorância diminuindo a mente, mesmo assim
alguns se sentem preenchidos, reativamente,
por esse conteúdo que os apequena.
Ao contrário, quando o copo-mente é
preenchido por ideias e afetos potentes, ideias e afetos que são aberturas para
o infinito, a mente se amplia de tal forma que supera até mesmo os limites
estreitos do ego, tornando-se criativa, afirmativa, generosa - sem deixar de
ser também crítica e ativa, individual e coletivamente.
Embora nunca possamos estar
vazios, podemos porém transbordar: como a fonte que , saindo de si
mesma, torna-se riacho, rio... E avança até ser um com o mar.
“Sou água que corre entre pedras:
liberdade caça jeito.”(Manoel de
Barros)
“A cisterna contém;
a fonte transborda.” (W. Blake)
(este belo livro é apenas uma
sugestão de leitura : “Espinosa: poema do pensamento.”)
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