quarta-feira, 1 de junho de 2022

poema do pensamento

 

Segundo Espinosa, nós nunca somos um “copo vazio”. Também nunca estamos apenas pela metade. Nós estamos sempre cheios, embora nem sempre tenhamos consciência disso.

A questão importante está no conteúdo que vem preencher-nos. Há os que são preenchidos pelo ódio , ressentimento...até mesmo pela ignorância, pois a ignorância não é um vazio, ela é um conteúdo tóxico  do qual nascem ações e palavras destrutivas, apequenadoras.

Nesse ponto, Espinosa diverge de certas visões orientais da felicidade e do (auto)conhecimento, segundo as quais é preciso “esvaziar” o pensamento.

Para Espinosa, é impossível esvaziar o pensamento , pois é impossível anular  o corpo. Pensamento e corpo , segundo Espinosa, são aspectos diferentes de uma mesma realidade.

O corpo não é um entrave ao pensamento, pois não há pensamento potente e ativo sem um corpo que  , no campo da ação, coloque as ideias em prática.

“Prática” não é mera agitação motora, pois saber olhar, ouvir,  respirar,tocar e mesmo meditar, também são práticas corporais de um corpo expressivo, sensível, não narcísico.

Assim, para Espinosa, a questão não é nos esvaziar, pois isso é impossível. A liberdade, e com ela nossa saúde mental,  está em buscar , como a primeira das necessidades, a realidade-conteúdo  com o qual devemos nos preencher para sermos de vida fortalecidos.

E aqui é preciso fazer um ajuste nessa imagem do copo, pois o copo de que fala Espinosa não é o copo literal, e sim nossa mente. No copo literal, o recipiente recebe e amolda o líquido à sua forma, sem que ele, o copo-recipiente,  mude de tamanho.

Mas quando se trata dos conteúdos que preenchem a mente, acontece algo diferente. De fato, o copo-mente nunca está vazio, porém há certos conteúdos que diminuem a amplitude da mente, conforme a mente é preenchida por eles.

O ódio, a ignorância , o medo...preenchem a mente fazendo-a diminuir de tamanho e amplitude , de tal modo que nada mais consegue entrar nela: cada vez mais, ela pensa e compreende menos. E o mais estranho: mesmo a ignorância diminuindo a mente, mesmo assim alguns se sentem preenchidos, reativamente,  por esse conteúdo que os apequena.

Ao contrário, quando o copo-mente é preenchido por ideias e afetos potentes, ideias e afetos que são aberturas para o infinito, a mente se amplia de tal forma que supera até mesmo os limites estreitos do ego, tornando-se criativa, afirmativa, generosa - sem deixar de ser também crítica e ativa, individual e coletivamente.

Embora nunca possamos estar vazios,  podemos porém  transbordar: como a fonte que , saindo de si mesma, torna-se riacho, rio...  E  avança até ser um com o mar.

 

“Sou água que corre entre pedras:

liberdade caça jeito.”(Manoel de Barros)

 

“A cisterna contém;

a fonte transborda.” (W. Blake)

 

(este belo livro é apenas uma sugestão de leitura : “Espinosa: poema do pensamento.”)



 



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