sexta-feira, 24 de junho de 2022

cardiosofias

 

Entre alguns filósofos-poetas  antigos, a sabedoria  mais buscada, porém a mais difícil de alcançar e aprender, não era sobre o Cosmos ou Deus, tampouco se podia conquistá-la mediante a mera  teoria.

O nome dessa sabedoria era: “cardiognosia”, ou conhecimento dos corações humanos. Tal conhecimento devia começar na observação de si mesmo, para depois se dirigir aos outros.

“Sinta a si mesmo como se fosse o outro, sinta o outro como se fosse a si mesmo”, essa  era a primeira das lições da cardiognosia.

Segundo os mestres cardiognósticos, as palavras que vêm do cérebro , teóricas que são, às vezes mentem ; porém nunca mentem as palavras que vêm do coração, pois através delas é dito o que o corpo sente, e o corpo nunca mente.

Assim, a cardiognosia não é  teoria apoiada em palavras que nascem  na boca, pois às vezes somente o silêncio  consegue dizer  o que o coração pensa e sente.

O coração é o primeiro dos órgãos a se formar. Ele se forma antes do cérebro, antes dos pulmões, antes do estômago.

 No feto, o coração começa a bater  por volta do décimo sexto dia. Essa inaugural  batida é  a primeira nota musical de um ritmo vital que crescerá protegido no útero da mulher.

 Os cardiognósticos    achavam que era o coração , e não o cérebro, a sede dos pensamentos mais importantes à vida. Talvez eles não estivessem  errados , movidos que estavam pela intuição de um pensamento originário, um pensar-pulsante,  do qual o coração é a sede e o agente.

Quando estamos tristes ou nos imaginando  derrotados  , nosso cérebro  parece que perde a vontade de pensar, deixando-nos resignados; porém  o pensar do coração tem uma força maior que toda vontade :estejamos alegres ou tristes, saudáveis ou doentes, o coração  pulsa não por escolha, mas por vital necessidade.  “Coragem”: “força que nasce do coração”.

O pensar do cérebro tem por sujeito o “eu”, já  o pensar do coração é criação da vida , sua arte originária .

 As ideias que o cérebro pensa dependem   dos neurônios; porém os neurônios  não conseguiriam respirar não fosse  o oxigênio que o coração lhes envia no fluxo do sangue: antes de os neurônios pensarem, o coração pensa neles antes.

Creio que todas as ideias que o cérebro pensa o coração é capaz de senti-las, para assim avaliar o quanto tais ideias enfraquecem ou fortalecem a vida, se são veneno ou remédio.  Mas por virem  antes e terem  primazia, as ideias originárias do coração somente ele é capaz de pensar :são ideias não teóricas, ideias para serem sentidas também com o corpo,  como as ideias vitais da poesia. 

 

 

 

“Por mais longe que a razão nos leve,

leva-nos mais longe o coração".

(Goethe)

 

 

 

(  poucos chegaram tão perto desse pensar originário , um pensar que também se sente, na dor ou na alegria, quanto a “cardiognóstica” Clarice)



 



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