Costuma-se
dizer que poeta é quem conhece e vive as
“Musas”. Mas o sentido da palavra “Musa” foi
enfraquecido pela interpretação romântica , que fala do tema das Musas de forma “Idealizada” .
No seu
sentido original , “Musa” significa :
“Conhecimento que vem das artes”. As artes também ensinam.
E esta
é a riqueza de tal ensino: para aprendê-lo é preciso que o corpo também
participe do aprendizado , e não apenas a mente isolada.
As
artes ensinam a ver ( pintura, cinema), ouvir ( música), tocar (
escultura), fazer ( bordadura,
artesanias) , além de libertar o corpo
de todo peso ( como ensina a dança).
As
Musas eram nove, pois as artes são potências femininas plurais e heterogêneas, e
delas nasce um aprendizado que emancipa
corpo e mente agenciados.
O
primeiro a ver as Musas foi Orfeu, o poeta originário. Ele as viu e nunca mais
foi o mesmo, tornando-se “aedo”.
“Aedo”
é como se diz “poeta” em grego. “Aedo” significa: “aquele que canta”. Cantando, Orfeu também foi
filósofo, educador, revolucionário, enfim, o primeiro dos libertários.
Tal
como no mundo de hoje, havia naquela
época as obscuras forças antiMusas, antipoesia, anticonhecimento, enfim, antiprimavera.
Essas forças obscuras eram representadas
pelas Fúrias, deusas do ódio e da vingança, sempre querendo decepar ideias e pisotear
jardins.
Foram as
Fúrias que, certa vez, torturaram e violentaram o poeta Orfeu, por fim
decepando macabramente a cabeça do poeta, achando que assim o calariam para
todo o sempre.
Imaginando que a barbárie delas venceu, as Fúrias deram
as costas e se foram. Porém, mal deram alguns passos, elas ouviram
o poeta cantando ainda , e cantando
com mais força.
Elas
se viraram e viram que o poeta resistia cantando apenas com sua cabeça, pois
era na sua cabeça pensante que viviam as ideias emancipadoras que o faziam cantar e ensinar a lição que ele aprendeu com as Musas: a lição de
que com a arte também se
luta pela dignidade e potencialização da vida.
Em
toda música, peça de teatro, exposição, filme,
poema, enfim, em todo ato crítico e criativo que , cantando a vida, resiste
à barbárie, em todo ato assim se pode ouvir ainda, mais atual e vivo do
que nunca , o canto libertário de Orfeu.
De
“Musa” vem “museu” e “música” . Quando a barbárie , ontem e hoje, ameaça pisotear
jardins , é preciso cantar resistindo com a “primavera nos dentes”:
“Quem tem consciência para ter
coragem
Quem tem a força de saber que
existe
E no centro da própria
engrenagem
Inventa a contra mola que
resiste.
Quem não vacila mesmo derrotado
Quem já perdido nunca
desespera
E envolto em tempestade,
decepado
Entre os dentes segura a
primavera.”
( letra/poema de Secos &
Molhados)
(imagem: no Museu da Maré, espaço
de artes que ensinam a resistir, Marielle está presente na exposição que mantém
viva suas ideias)
Explicando o mito de Orfeu numa aula , lembrei dessa capa do álbum dos Secos & Molhados ( no qual está a música "Primavera nos dentes"):
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