terça-feira, 7 de junho de 2022

Musas, museu, Orfeu & Marielle

 

Costuma-se dizer que poeta é quem conhece e vive  as “Musas”. Mas o sentido da palavra “Musa” foi  enfraquecido pela interpretação romântica , que fala do tema das  Musas de forma  “Idealizada” .

No seu sentido original ,  “Musa” significa : “Conhecimento que vem das artes”. As artes também ensinam.

E esta é a riqueza de tal ensino: para aprendê-lo é preciso que o corpo também participe do aprendizado , e não apenas a mente isolada.

As artes ensinam a ver ( pintura, cinema), ouvir ( música), tocar ( escultura),  fazer ( bordadura, artesanias) , além de  libertar o corpo de todo peso ( como ensina a dança).

As Musas eram nove, pois as artes são potências femininas plurais e heterogêneas, e delas nasce um  aprendizado que emancipa corpo e mente agenciados.

O primeiro a ver as Musas foi Orfeu, o poeta originário. Ele as viu e nunca mais foi o mesmo, tornando-se “aedo”.

“Aedo” é como se diz “poeta” em grego. “Aedo” significa: “aquele que canta”.  Cantando, Orfeu também  foi  filósofo, educador, revolucionário, enfim, o primeiro dos libertários.

Tal como  no mundo de hoje, havia naquela época as obscuras forças antiMusas, antipoesia, anticonhecimento, enfim, antiprimavera. Essas forças obscuras eram  representadas pelas Fúrias, deusas do ódio e da vingança, sempre querendo decepar ideias e pisotear jardins.

Foram as Fúrias que, certa vez, torturaram e violentaram o poeta Orfeu, por fim decepando macabramente a cabeça do poeta, achando que assim o calariam para todo o sempre.

Imaginando  que a barbárie delas venceu, as Fúrias deram as costas e se foram. Porém, mal deram alguns passos,  elas ouviram  o poeta cantando ainda , e cantando  com mais força.

Elas se viraram e viram que o poeta resistia cantando apenas com sua cabeça, pois era na sua cabeça pensante que viviam as ideias emancipadoras  que o faziam cantar e ensinar a lição   que ele aprendeu com as Musas: a lição de que com a  arte também  se  luta pela dignidade e potencialização da  vida.

Em toda música, peça de teatro, exposição, filme,  poema, enfim, em todo ato crítico e criativo que , cantando a vida,  resiste  à barbárie, em todo ato assim se pode ouvir ainda, mais atual e vivo do que nunca ,  o canto libertário de Orfeu.

De “Musa” vem “museu” e “música” . Quando a barbárie , ontem e hoje, ameaça pisotear jardins ,  é preciso  cantar resistindo com    a “primavera nos dentes”:

 

“Quem tem consciência para ter coragem

Quem tem a força de saber que existe

E no centro da própria engrenagem

Inventa a contra mola que resiste.

 

Quem não vacila mesmo derrotado

Quem já perdido nunca desespera

E envolto em tempestade, decepado

Entre os dentes segura a primavera.”

 

( letra/poema de Secos & Molhados)

 

(imagem: no Museu da Maré, espaço de artes que ensinam a resistir, Marielle está presente na exposição que mantém viva suas ideias)




Explicando o mito de Orfeu  numa aula , lembrei dessa capa do álbum dos Secos & Molhados ( no qual está a música "Primavera nos dentes"):









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