sábado, 7 de novembro de 2020

espinosa & manoel

 

Uma das frases de Espinosa mais citadas é aquela na qual o filósofo diz: “Ninguém sabe o que pode um corpo”, isto é, nunca sabemos previamente o que é capaz de criar , agindo, a potência do corpo. Exatamente por engendrar algo novo, do criar não se pode ter um conhecimento prévio. Quando Espinosa fala do corpo, não se deve entender apenas o corpo orgânico . É preciso ampliar a noção de corpo para compreendermos toda a riqueza que Espinosa quer nos dizer . A linguagem também é um corpo. É exatamente por não saber o que pode  o corpo da palavra que o poeta cria sentidos novos com ela, para assim ampliar os sentidos do que podemos dizer. Na exposição do Museu da Maré está a porta que fez parte do gabinete de Marielle. A porta está ali não apenas como porta que foi de um gabinete, mas como parte do corpo da luta de Marielle. Pois também não sabemos tudo o que pode o corpo social quando ele age para enfrentar tiranos.  Não podemos saber, antes, tudo o que pode um corpo. Pois para saber o que pode um corpo é preciso agir a partir dele.  Este  “não saber” não é uma ignorância acéfala, mas algo que para ser sabido depende da ação do corpo, que assim engendra saberes novos  ainda não pensados e sabidos. Espinosa também diz que “o corpo é a alma mesma apreendida de uma perspectiva diferente”; e que “a alma é o corpo mesmo apreendido de uma perspectiva diferente.” Assim, não sabemos tudo o que um corpo pode porque também não sabemos tudo o que pensar pode, desde que compreendamos que o corpo e alma também são potências . O que pode o corpo das ruas? Pode esse corpo unido  enfrentar o poder daqueles que ameaçam de morte o corpo e a alma de nossa sociedade heterogênea e plural? Somente podemos saber o que  a rua pode nos tornando ativamente o corpo coletivo dela.  Esse “não saber” o que pode um corpo, seja o corpo das palavras ou o corpo social (“não saber” esse íntimo à  criação),  esse “não saber” também é  o que Manoel de Barros chama de “ignorãça”. 

“Quando permanece algo de inexplicável naquilo que explicamos, isso nos enriquece de maneira inexplicável.” (Kerényi)










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