sábado, 23 de maio de 2020

os maus e seus venenos...


Segundo Espinosa, há uma diferença entre as noções de  “mal” e “mau”. O “mal” é o contrário do “bem”, já o “mau” é o oposto do “bom”. Espinosa acreditava que as ideias de “mal” e “bem” podem gerar superstição e equívocos quando se supõe que existe um “Mal” em si, um “Mal” com “M” maiúsculo. Em geral, a maioria daqueles que acreditam em um “Bem” com “B” maiúsculo também creem em um “Mal” com “M” maiúsculo, e para combaterem a esse “Mal”  fazem  coisas  abomináveis, quase sempre em nome de um suposto “Bem” acessível apenas a eles. No passado, era comum personificar o “Mal” chamando-o de “Diabo”. Hoje, os que se autointitulam delirantemente “homens de bem”,  em nome desse mesmo “Bem”  querem se armar para perseguir e exterminar os novos “Diabos”, que na visão paranoica dessa gente seriam os “vermelhos”, os “comunistas”, os “esquerdas”...Para esses lunáticos, “Diabo” é quem não se submete ao delírio de poder deles.  Portanto, argumenta Espinosa, os termos “Mal” e “Bem” , por serem abstratos, podem servir àqueles que, se escondendo atrás da ideia de que servem ao “Bem” e combatem o “Mal”, fazem atrocidades inomináveis. Já a noção de “mau” é concreta e verificável na ação que alguém de fato faz. Também é concreta a ideia de “bom”. Enquanto “Mal” e “Bem” são ideias abstratas , as noções de “bom” e “mau”  se revelam a partir dos encontros que ocorrem em determinada sociedade. Não existem o “bom” e o “mau” em si, pois “bom” e “mau” se revelam nos encontros concretos que acontecem. O bom está em todo encontro que favorece a liberdade, o pensamento, a democracia, a humanidade, a saúde ( do corpo e da alma), enfim, bom é todo encontro que aumenta a potência singular e coletiva, para assim aumentar a vida. O mau é todo encontro que gera servidão, medo, impotência, ignorância, terror, autoritarismo , ou seja, morte. Os maus vivem se  escondendo  atrás da ideia abstrata de “Bem” para assim perpetuarem seus venenos concretos. Em geral, o que caracteriza um “mau encontro” é que uma das partes quer subordinar a outra, enfraquecendo-a, amedrontando-a e a  ameaçando, para assim obter servil obediência. Isso acontece também em termos institucionais. Quando um presidente da república e militares com ele mancomunados se tornam um mau encontro para a sociedade que eles deveriam governar, isso então já não é mais governo, é sentença de morte e veneno que a gente não pode aceitar. Luta-se contra os maus encontros fortalecendo os bons encontros, pois assim como ninguém é servo sozinho ( pois servo é quem se submete a um   tirano), também ninguém é livre sem se agenciar com aquilo que nos fortalece.

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Nietzsche também diz algo parecido ao afirmar que "para além do Bem e do Mal não significa para além do bom e do mau". Inclusive, Nietzsche faz uma etimologia do termo "bom", "bonus", e mostra que essa palavra está na origem do termo "nobre", ao passo que "mau" significa "vil". "Nobre" é toda potência que cria, mesmo que antes precise destruir ( "Só podemos destruir sendo criadores", diz ele), ao passo que vil é toda força reativa que deifica o destruir e estigmatiza toda forma de criar.Nobre é a arte, no seu sentido amplo e variado, vil são os ressentidos que se vingam contra a vida. Essa vingança ora toma a forma de ideologia política ou antipolítica, como o fascismo, ora toma a feição de fanatismos fundamentalistas, ora assume a forma de um culto à força militarizada autoritária, ora se mostra como a combinação funesta e perigosa, extremamente perigosa, de todos esses ódios ressentidos contra a vida.




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