Ética não é a mesma coisa que moral.
“Moral” vem do latim “mores”, que
significa “costume”; já “Ética” nasce da palavra grega “ethos”, cujo sentido é
“caráter”. O costume está sempre ligado a um grupo, ao passo que o caráter é
característica de uma pessoa ou indivíduo. É por isso que a moral tende a ser
conservadora , e pode servir de escudo hipócrita para esconder indivíduos sem caráter. Embora o caráter seja uma característica
individual , é na relação com o outro, na dimensão social, que cada um revela o
caráter que tem , na ação que verdadeiramente
faz, e não em meras palavras. Em geral, o moralista está sempre evocando
uma “Verdade acima de todos” que dá a ele, o moralista, o poder que tem, e em
nome do qual quer ser obedecido, mesmo que à força. Já o homem de caráter
conquista companheiros pela eloquência
de suas ações, ações essas que o tornam um exemplo. Enquanto toda moral tende a
ser conservadora, há éticas revolucionárias. Espinosa, Nietzsche, Deleuze,
Foucault, Bakunin...não são moralistas, mas há neles uma ética. Há indivíduos
moralistas sem ética ( caráter), mas quem tem ética se preocupa em
potencializar a vida , criar um sentido libertário para ela, e não em impor
morais de rebanho. O caráter não é um dom “sobrenatural”, ele precisa ser
descoberto , cultivado, fortalecido. O que fortalece o caráter são as
“virtudes”. Essa palavra vem de “virtu”, cuja tradução é “força potencial” . Quando
a corda do arco é puxada, nasce nela uma “força potencial” ou tensão capaz de
lançar a flecha longe. O coração tensiona suas fibras para impulsionar o sangue, fluxo da vida, por todo o corpo
. As cordas do violão somente produzem música quando tensionadas. “In-tensidade”
significa: “ir para dentro da tensão”, enquanto força propulsora de sangue ou
arte, de flechas ou ações. São muitas as virtudes : a justiça, a honestidade, a dignidade...Todas
essas virtudes são potências que fortalecem o caráter. Mas de todas as
virtudes-potências, a mais necessária é a coragem, pois a coragem é a virtude
que nos leva a defender todas as outras virtudes quando elas correm risco: sem
coragem não há justiça, honestidade, dignidade...“Coragem” vem de “coração”. Em
geral, os muito racionalistas imaginam que o coração é a sede apenas dos
sentimentos que se sentem passivamente. Mas eles estão enganados...Pois o
coração também é a sede da coragem que impele à ação que protege até mesmo a razão
de seus inimigos. Quando Espinosa nomeou seu livro de “Ética”, assim o fez para
nos dizer: não há filosofia , ciência,
cultura, educação, democracia, justiça, enfim, liberdade, sem a coragem para
defendê-las de seus inimigos, muitas vezes travestidos de moralismo
teológico-político.
- Em um de seus últimos cursos ministrados, e publicado sob o título "A coragem da verdade", Michel Foucault, que pouco se refere a Espinosa, cita o autor da Ética de uma forma que revela a admiração que nutria por Espinosa. Segundo Foucault, a maioria dos filósofos antigos apenas cultivou o "amor à sabedoria". Mas Espinosa teve a coragem de viver uma vida filosófica, apesar dos perigos que ele corria. O que Foucault chama de "verdade" nada tem a ver com a verdade nos sentidos epistemológico e lógico, e muito menos teológico. Verdade, em Foucault, tem o sentido de "autenticidade". A autenticidade é a adequação entre aquilo que se diz e aquilo que se faz. Autenticidade: virtude-potência de quem é autêntico.
"Livros não mudam o mundo,
quem muda o mundo são as pessoas.
Os livros só mudam as pessoas."
(Mário Quintana)
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