sexta-feira, 27 de março de 2020

o direito de resistência em espinosa


Espinosa é um dos primeiros pensadores a evocar e defender um “direito de resistência”, que também é a base do que depois se chamou de “desobediência civil”. O sentido original de “resistir” é : “pôr-se novamente de pé”, após ter caído. Ninguém resiste de verdade ficando sentado, é preciso ficar de pé. “Pôr-se de pé” não apenas no sentido físico, já que o “permanecer de pé” é a ação que define o que é ser humano em sua dimensão política, civilizacional, existencial e ética. Os vermes rastejam, os bovinos andam de quatro. Mas se o homem rastejar ou se conformar a ser quadrúpede, não é mais humano, torna-se outra coisa sem nome, inqualificável...Esse direito de resistência não é um direito que dependa exclusivamente de juízes ou ministros do Supremo para ser evocado e defendido. Quem o pode evocar e defender é quem se vê em perigo, sobretudo quando o que está em perigo é a própria sobrevivência da sociedade como um todo. Esse direito de resistência é mais do que um direito: é um dever quando estamos sob a ameaça de um tirano. Para Espinosa , não se esquivar a esse dever é o que caracteriza o autêntico pensar em sua dimensão prática, ética, política. O contrário da resistência é a obediência: esta produz ignorantes , aquela produz cidadãos. A obediência a tiranos é sempre incivilizada ( como essas carreatas contra a quarentena ou a greve que alguns caminhoneiros bozopatas querem fazer para desabastecer os supermercados!), já o direito de resistência ou de desobediência é ação para defender a civilização, em nós e nas instituições. Existe a solidão individual, mas há também a solidão em grupo, mesmo que neste haja muitos. A solidão individual é aquela de um indivíduo sem relações externas, já a solidão em grupo é a de um rebanho sem relações outras que não seja a de obediência a um tirano. Somente a multiplicidade se ligando a si mesma, reinventando-se povo, pode pôr-se de pé e resistir aos tiranos. O direito de resistência significa exatamente isto: o pôr-se de pé de um indivíduo na imanência de um pôr-se de pé coletivo que não se deixa derrubar pelo arbítrio de tiranos que põem a vida sob risco.

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