sábado, 28 de março de 2020

um pouco de possível para não sufocar...

“Um pouco de possível, senão sufoco.” Li recentemente um texto muito belo do filósofo Jean-Clet Martin retomando essa ideia de Kierkegaard que chegou até nós pela interpretação que dela faz Foucault. O “possível” que nos dá ar não é exatamente a expectativa de fazer alguma coisa amanhã. Esse possível que nos salva do sufoco não é uma projeção. Não podemos esperar para respirar amanhã, pois só há amanhã se respirarmos hoje, agora. Pois respirar é uma relação viva com o agora. Não por acaso, todas as técnicas de meditação e conhecimento de si começam por este ato: o respirar enquanto acontecimento que nos liga ao agora, para assim nos conectarmos com o meio, com o outro, com o mundo , com o cosmos, enfim, com a vida, para assim nos (re)conectarmos a nós mesmos. Desse modo, esse ato físico que fazemos com o corpo pode ser o símbolo do que as ideias e afetos devem ser para a alma. Há ideias e afetos que são ar puro que nos ajudam a não sucumbir diante daqueles cujas palavras  exalam veneno e morte. Em grego, “Pneuma” ( “sopro”) é um dos nomes da Vida enquanto força cósmica que vivifica o corpo. Em latim, “Pneuma” será traduzido por “spiritus”, “espírito”. “Pneuma” é o ar que a gente inspira e puxa para dentro. O que traz o recém-nascido à vida é quando ele, após sair do útero, puxa o ar e enche-se de vida. E assim inaugura-se. É dessa ideia que nasce o sentido de “inspiração” : “ação de encher-se de vida”, para assim “reinaugurarmo-nos”. “Possível” vem da palavra latina “poti”, que significa “ser capaz de” ( e é também de “poti” que nasce a ideia de “potência”). Esse possível-potência que tira do sufoco devemos respirá-lo dos livros, das artes e do encontro com aqueles com os quais nos agenciamos, inclusive virtualmente. E para aqueles que estão no sufoco, devemos nos esforçar para trazer um pouco de ar por intermédio daquilo que falamos e escrevemos. Isso pode parecer pouco...Porém o ato de respirar sempre parece pouco, quase imperceptível, enquanto o ignoramos ou não prestamos atenção nele.“Meditar”, inclusive, vem da mesma raiz que a palavra “medicar” : “potencializar a saúde”.

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