sábado, 3 de agosto de 2019

a imitagem


“Museu” provém de “Musa”. Originalmente, “musa” significa “conhecimento”. Tanto os poetas quanto os filósofos pré-socráticos evocavam as Musas para auxiliá-los na seguinte tarefa: vencer o esquecimento daquilo que não pode ser esquecido. Assim, o conhecimento das Musas não é só intelecto ou razão,  ele é , também, recordação: “re-cordis”, “trazer de novo ao coração”, como lugar do Afeto. No mito, as Musas são filhas de Zeus , divindade ligada à justiça e à ética, com Mnemósyne, Deusa da Memória.  Zeus uniu-se a Mnemósyne após uma guerra vencida por ele contra as forças da barbárie vinculadas à  ignorância em seus variados aspectos. Dessa união entre a ética e a memória nasceram as Musas, divindades da cultura e do patrimônio. Assim,  todo patrimônio cultural  nasce do matrimônio gerador de uma ética da memória, de uma memória da ética. A cultura não existe apenas para relembrar algo que se deu no passado e passou. A cultura existe para  fazer lembrar e dar a conhecer que se é possível vencer a barbárie da violência física e simbólica. Foi este acontecimento a origem da civilização , da educação e da cultura: a luta contra a ignorância, que apenas o intelecto sozinho não consegue vencer. Pois não é uma  ignorância em relação a não saber matemática ou “cartilhas”, mas ignorância acerca do que é a justiça, a ética, a arte, a natureza, enfim, a vida. Ontem e hoje, as forças da barbárie sempre ameaçam de destruição  a cultura,  porém  nunca conseguirão destruir sua ideia geradora, enquanto mantivermos viva em nós ,coletivamente, a recordação daquilo que nos faz  humanos, e não bestas acerebradas.
Segundo o poeta Manoel de Barros, todo ato criativo é uma “imitagem". A imitagem  não é  um tornar-se mera cópia de um Modelo ou Padrão. Ao contrário, a imitagem   é a produção de uma diferença  , como nos ensina  a pequena menina em sua  fabricação brincativa de um estilo . Em toda imitagem há uma   aprendizagem não escolar de uma diferença que se afirma compondo-se, em liberdade. Em sua imitagem, é a menina, e não a escultura, a obra de maior arte. Que a pequenina Musa, em sua inocência brincativa,  nos ajude a não esquecer o que precisa ser sempre lembrado: que  vida é invenção , justiça  e arte, e que isso nos dê forças ante a  barbárie.

"Às vezes começa-se a brincar de pensar. E eis que, inesperadamente, é o brinquedo que começa a brincar com a gente"(Clarice Lispector)

"Minha poesia não tem função explicativa, só brincativa (Manoel de Barros)






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