quinta-feira, 22 de agosto de 2019

o burro, o leão e a criança


Nietzsche diz que o homem pode passar por três metamorfoses : a do burro, a do leão e a da criança. O burro é aquele que diz “sim” ao que está dado: ele aceita, passivamente, os valores estabelecidos. Sua forma de aceitação é “dar as costas” para carregar. É assim que o burro se sente “útil” : carregando o peso que em suas costas colocaram. Todos nascemos mais ou menos burros, pois carregamos , desde a infância , os valores de um mundo que já achamos pronto, dado. Quando o poder  diz que só se deve ensinar às crianças tabuada e gramática, e nada de artes e filosofia, o que ele quer é manter submissos seus carregadores também no futuro. O leão pode nascer do burro quando este sofre uma metamorfose, aprendendo a dizer “Não”. Ninguém sobe no dorso de um leão: ele  vê em tudo uma jaula onde querem prendê-lo. O leão  é ferozmente  crítico e cético, imaginando que ser  potente é negar . O leão pode mais do que o burro,  porém  é incapaz de criar , pois para criar é preciso crer. E o leão em nada crê.  O leão imagina que  crer é ser como o burro que ele já foi. Do leão pode surgir nova metamorfose:   a criança, aquela que redescobre a força do “Sim”. Pois o Sim da criança não é como o sim alienado  do burro. O Sim da criança sobreviveu ao não do leão, o incorporou como crítica, porém vai além dele, tornando-se afirmação de uma  potência criativa . A criança não carrega, como o burro; nem ruge e ameaça, como o leão. Ela libertou-se de todo peso, corre e dança, e há nela uma força mais poderosa que a dos dentes e garras. O burro é refém dos valores do  presente que o esmaga e aliena; já o leão nasceu quando este presente virou passado que o leão não quer mais que se repita. Mas a criança é , ao mesmo tempo, metamorfose no presente e libertação do passado em razão de uma  crença ativa  no futuro , uma “linha de fuga”, como criação de novas possibilidades para a vida, a despeito das forças obscurantistas que ameaçam retê-la. Não se trata de otimismo ou esperança:  “Só podemos destruir sendo criadores”(Nietzsche)



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