sexta-feira, 29 de setembro de 2017

das formigas e das cigarras

Poesia é como a cigarra        
que estoura o crepúsculo que a contém.
Manoel de Barros

A fábula da formiga e da cigarra é só parte da história. Tal como a conhecemos ,a narrativa favorece  a perspectiva da formiga. No mito anterior à fábula, porém, existiam apenas as formigas, que trabalhavam, trabalhavam, trabalhavam...para servirem à Rainha. A felicidade para elas consistia em aplacar a gula sem fim da Rainha. 
Certa vez, as Musas vieram passear perto das formigas . Em grego, “Musa” significa “conhecimento”,um conhecimento que não vem de livros, mas da própria vida . “Música” e “museu” derivam de Musa. Tirésias, considerado o maior sábio grego ( mais do que Sócrates...) ,  tornou-se sábio quando viu as Musas banhando-se em uma fonte. Elas estavam nuas. Quando o conhecimento se despe das palavras e teorias acadêmicas, é como poesia nua que ele se mostra. 
Então, quando algumas  formigas viram as Musas, esqueceram  a servidão à Rainha, e passaram a cantar. Nunca antes elas tinham feito tal insubmissão. Esqueceram de tudo. Apenas cantavam e cantavam, talvez como cantou Cartola...
Elas morreram cantando, sem fome, sem sede, livres: empoemadas...
Para que tal cantar renascesse,  as Musas lhes fizeram uma metamorfose: da formiga rasteira que morreu,  nasceu  a cigarra alada; venceu-se a servidão passiva à Rainha, desabrindo o poeta “sem Rei nem regências”, diria Manoel . 
“Rainha” e “Rei” derivam da mesma palavra da qual se originou “real”, como aquilo que se opõe à invenção e ao sonho. Assim, há aqueles que só conhecem a realidade dada, “objetiva”, são os formigas-pragmáticos ; mas há os que conhecem , e fazem, a invenção,  “pois inventar aumenta o mundo” , canta a cigarra-manoel.
                                                                                                                                                                            



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