sexta-feira, 7 de abril de 2017

o desejo como metamorfose





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Título do artigo : Espinosa, Deleuze & Guattari: o desejo como metamorfose.

(trecho )


Em latim, o termo correspondente a desejo é cupiditas.Este termo se refere ao deus Cupido .Em grego, Eros. Cupido era um daimon, isto é, um ser das fronteiras, dos limiares. O daimon guia a quem quer fazer a travessia entre o que nasce e morre e o que é eterno. O daimon é o habitante desse espaço que é travessia, meio, devir.Trata-se de um meio de passagem: não passagem de um lugar para o outro, mas passagem de uma existência a um grau dela mais potente. É por isso que Cupido possuía asas. Todavia, a maioria das representações que temos de Cupido estão impregnadas com a visão cristã do mundo. Tal visão chama de “anjo” o que os romanos designavam como daimon. A principal diferença entre o daimon e o anjo reside no seguinte: os anjos possuem asas feitas de penas, como as que possuem os pássaros, ao passo que o daimon, incluindo o Cupido, possuía asas também, mas estas eram asas de borboleta [no entanto, na iconografia cristã por vezes as asas de borboletas aparecem: não nos anjos eternos, mas nos ressuscitados , isto é , nos que nasceram, morreram e nasceram novamente].Há uma razão para Cupido ter asas de borboleta, e não de pássaro. Os pássaros já nascem com asas. Contudo, as asas da borboleta nasceram quando houve um segundo nascimento : elas são a expressão de uma metamorfose ,tal como ocorre com o garoto do filme espanhol A língua das mariposas (cuja tradução mais correta seria A língua das borboletas ): contagiado pela Natureza, ele vive a alegria de um conhecer que é metamorfose .
 Foi de um ser que rasteja pelo chão, a lagarta, que as asas da borboleta nasceram. Para estas nascerem, foi preciso que a lagarta se dobrasse sobre si: é assim, dobrada sobre si, inventando para si um casulo, que a lagarta pôde desabrochar. O desabrochar é um desdobrar aquilo que nos é imanente. Isso nos mostra que a re-flexão, o dobrar sobre si, é um acontecimento da própria natureza. Esse acontecimento é uma metamorfose da qual nascem asas, asas estas com as quais não nascemos em um primeiro nascimento. A metamorfose também é uma prática de paciência. A paciência não é uma passividade, ela é uma ação. Ela não significa exatamente suportar o que nos acontece, mas nos preparar para sermos o que de fato somos independentemente das flutuações dos fatos ao redor. A paciência é uma virtu, uma força da alma.A paciência não é uma espera por algo, ela é a conduta que devemos ter para produzirmos aquilo pelo qual não devemos esperar que um outro faça por nós. O casulo expressa a arte da paciência da qual nasce a autêntica autoconfiança. Padecer é tornar-se paciente de uma ação externa. Todavia, quando agimos sobre nós mesmos é com paciência que se obra. A paciência não é o tempo de espera por algo que virá, ela é o processo de afirmação e produção do que já se é.




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