domingo, 30 de novembro de 2025

A filosofia e suas periferias

 

Tem sido comum ouvir em sala de aula opiniões  como esta: “Professor, não quero saber de  Homero, Hesíodo, Platão, Aristóteles, Kant...são todos Europeus!” De minha parte, aceito  a afirmação e compreendo por qual razão ela é formulada.

Porém, tentando horizontar a questão, argumento com cuidado e compreensão: “Mas a Europa também tem sua periferia...Lucrécio, Diógenes, Diotima, Heráclito, Safo, Espinosa, Nietzsche, Bakunin ,  Marx , Deleuze...estão na periferia da Europa, eles estão nas margens!”

Eles são periféricos não no sentido literal-geográfico , eles são pensadores-poetas periféricos pelas ideias que pensaram e produziram, muitas vezes sob ameaças e imensas perseguições, ideias essas que, se bem apresentadas e explicadas em sala de aula , podem dialogar com as periferias literais da América Latina e da África, e com elas lutarem a mesma luta.

Por exemplo, uma das ideias principais da Ética de Espinosa é a noção de “fortaleza”. Em latim, “fortitudo”. Na língua banto, “fortaleza” é “quilombo”. Não por acaso há essa coincidência de ideias, pois Espinosa e Zumbi , cada um à sua maneira, criam espaços de resistência ante toda forma de poder centralizado e excludente , seja na Europa , seja aqui.

Nós mesmos temos periferias em nós, periferias para além da centralidade ensimesmada do ego: e é nessa periferia de nós mesmos que encontramos o Outro , ele também habitante de uma periferia intersubjetiva e transversal.

Sem dúvida, em sua maior parte, a filosofia europeia é  falocrática, misógina e autocentrada. Em razão disso, é mais do que necessário pensarmos a partir de outras referências também, sobretudo as africanas e ameríndias.  Descobrir outras lógicas, outras metafísicas, outras formas de produzir e viver o conhecimento. Porém, conforme argumentamos, há na própria filosofia  possiblidades de pensares heterodoxos, críticos e criativos que podem dialogar , transversalmente,  com temáticas ameríndias e africanas. Creio que é mais filosófico descobrir e apresentar essas possibilidades de diálogo, em vez de colocar uma etiqueta generalizadora sobre a filosofia e afastar os jovens dela, antes mesmo que eles possam descobri-la.

É preciso encontrar um espaço transversal entre as periferias e margens, pois é neste lugar “horizontado”, como diria Manoel de Barros, que o pensar pode encontrar novos temas, novas questões, e ser uma ferramenta de mudança . 

“Horizontar” é um verbo-acontecimento criado pelo poeta Manoel de Barros. “Horizontar” é perspectivar, colocar horizontes nas ideias, para assim não deixá-las se fecharem em “verdades enrijecidas e dogmáticas”.


Como ensina o  pensador-poeta Manoel de Barros: “Os Outros: o melhor de mim sou Eles.

( na imagem, um encontro de periféricos: Manoel-Heráclito).






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