terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Espinosa : o pensar e o imaginar

 

Espinosa afirma: Deus possui infinitos atributos, dos quais conhecemos apenas dois: a extensão e o pensamento. Pensamento e extensão , mente e corpo, são partes da Natureza ( enquanto natura naturada), não são a Natureza inteira ( a Natura Naturante).

Devemos tomar o máximo cuidado, por isso mesmo, para não querermos imaginar os outros atributos que não conhecemos, como se a imaginação pudesse mais do que o conhecimento  nesse campo.

Decerto que a imaginação pode coisas diferentes daquelas que pode o conhecimento,  porém poder coisas diferentes não significa poder mais naquilo que apenas o conhecer  pode.

Se cedermos à tentação e acharmos que a imaginação poderá imaginar o que o conhecimento  não pode conhecer, começaremos a duvidar da própria potência do pensar, atribuindo   deficiência ao pensamento de pensar/conhecer uma realidade mais elevada, que somente a imaginação poderia alcançar, de tal modo que acabaremos por diminuir aquilo  mesmo que podemos conhecer como extensão ( ou corpo) e como pensamento (ou ideia). Enfim, entraremos no delírio, que se tornará tão ou mais perigoso quando querer expressar-se no campo  político, o que cedo ou tarde acaba acontecendo, outrora e agora, hoje. 

Em geral, o filósofo é modesto e reconhece que o pensamento não consegue conhecer tudo, embora ele possa sentir esse tudo, ao passo que os profetas de toda ordem deliram imaginativamente que podem conhecer tudo. Mas o que querem na verdade é obediência, e por isso demonizam o  pensar filosófico.  

Espinosa tem um nome para essa imaginação que imagina, delirantemente,  poder mais do que o conhecimento: superstição. Para Espinosa, "profeta" é mais do que um tipo religioso: é a subordinação do conhecimento da Natureza à imaginação que delira alcançar uma "sobrenatureza" como "verdade" da natureza, uma verdade que apenas ele, o profeta, tem acesso. Uma "verdade" que exige crença e obediência, e não entendimento e compreensão que realmente libertam.   

Quando a imaginação ignora a sua virtude, que é a de imaginar, e passa a querer  conhecer a Natureza , correm risco o corpo e as ideias : o corpo  será demonizado, pelos moralistas, ou narcisado, pelos egoístas, ao passo que as ideias  serão confundidas com meras elucubrações mentais, sem lastro  de saúde do espírito.

É na poesia e nas artes que a imaginação pode expressar toda a sua saúde e potência, e assim ensinar, com seus próprios meios (as imagens),  aquilo  que o pensar também sente. 



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