Conversando com uma amiga dia desses
revelei que , apesar do retorno à vida
social, ainda não consegui matar a saudade de duas coisas: lecionar presencialmente (retorno à sala de
aula no próximo semestre) e mergulhar no
mar...
Recebi então um olhar de interrogação acerca desse último
ponto. Como nunca perco a oportunidade de filosofar ...rs... , resolvi
explicar porque sinto falta de mergulhar
no mar.
Na Grécia havia um lugar
chamado “Elêusis”. A palavra “elêusis” significa “retorno”. Enquanto os
deuses aristocráticos moravam no alto do inacessível Olimpo, “Elêusis” era um lugar no chão, no
seio de Gaia, a Mãe-Terra.
Orfeu ( o Poeta) , Perséfone ( o Feminino ) e Dioniso
( a Arte) eram cultuados em “Elêusis”. Esses “cultos” não eram “religião”
, e sim agenciamentos populares nos quais se celebrava a Vida ( o teatro nasceu desses cultos).
Mas
que tipo de “retorno” era
celebrado em “Elêusis”? Orfeu retornou
do “Reino das Sombras” após resgatar
sua “Eurídice” ( em Elêusis, “Eurídice”
era um dos nomes da alma , assim como
“Psiquê”). Perséfone retornou vitoriosa do cativeiro no qual Hades , chefe do “Reino dos Mortos”, tentou
aprisioná-la . E após ser despedaçado por seus carrascos, Dioniso retornou da
quase-morte renascendo do coração ( “Di-oniso”: “aquele que nasceu duas
vezes”).
Orfeu, Perséfone e Dioniso venceram a
morte e retornaram à Vida ainda mais
vivos. Enquanto a ideia de religião tradicional
implica num morrer nesta vida para “religar-se” à outra
vida no “Além”, “elêusis” é um
retorno à vida , esta vida aqui , após se ter quase morrido, para assim recriar
a Vida ainda mais potente e forte.
Séculos depois, os estoicos e
Nietzsche assim chamaram esse “retornar
à vida para potencializar a Vida”
: “Eterno Retorno”.
Para quem desejasse entrar e fazer parte da comunidade de Elêusis não eram exigidos
dogmas ou dízimo, era pedido apenas um “ritual de limpeza": era preciso
curar-se do veneno que, muitas vezes sem sabermos, envenena nosso corpo e nossa
mente, feito uma morte cotidiana que vai nos destruindo aos poucos.
Esse ritual de limpeza consistia
exatamente em “mergulhar no mar”. O sal do mar lava , expurga e cura.
Esse efeito de limpeza do mar era
chamado de “catarse”. Tempos depois , Aristóteles atribuiu à arte essa função
clínica e curativa de promover catarses.
Assim como o mar, a arte também limpa , sara, “horizonta”.
Tudo o que realmente ensina, salva e regenera não pode ser vivido de longe ou apenas teoricamente , pois requer
que mergulhemos de corpo e alma.
Na falta do mar, sigo aqui
mergulhando em Cartola, em Clarice , em Espinosa , em Manoel... e neles buscando o mesmo
sal.
( na foto, o poeta Manoel - que
dizia amar no mar o mesmo que amava no seu Pantanal: os horizontes... )
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