Quem deseja tecer deve partir de uma
“urdidura”. Não importa se são tecidos , textos, ideias , ações ou utopia que desejamos tecer: é sempre de uma urdidura
que se parte. “Urdidura” vem de “ordo”,
“ordem”. Como ensina Espinosa em sua Ética: em tudo há “ordo”, mas “ordo” não é
tudo. Toda urdidura é feita de fios
dispostos retamente, como um destino, e disso já sabiam as mitológicas Moiras,
que urdiam o destino dos homens. Mas apenas uma urdidura não forma um tecido de
vida: é preciso a “trama”. A trama nasce de um fio que passa transversalmente
pela urdidura: a trama acrescenta ao férreo destino a invenção de fugas, de
“linhas de fuga” e “rizomas” . As árvores possuem raízes urdidas fixamente no
espaço, raízes que as tornam imóveis; já os rizomas são plantas de horizontamentos e conectividade : suas raízes são
tramas-agenciamentos bordando novas paisagem .
Toda urdidura é sempre igual:
reta e determinada. Porém, há múltiplas
formas de se fiar uma trama. Não há trama sem uma urdidura , isso é certo;
porém não existe tecido , de pano ou
social, sem a invenção de tramas. Da “Moira Social” que o urdiu louco, Arthur
Bispo do Rosário reencontrou sua transversal, e assim tramou sua lucidez como
fuga da normalidade reta dos que pensam igual. Embora toda trama
parta de uma urdidura, nenhuma urdidura pode determinar que trama se inventará
a partir dela.
Gramática é urdidura, poesia é trama;
cartilha é urdidura, pensar é trama;
família é urdidura, amor é trama; Estado é urdidura, sociedade é trama; código
jurídico é urdidura, justiça é trama; sistema político é urdidura, democracia é
trama.
(este texto é parte de uma fala que farei no evento Nós Utópicos: lugares e [re]
existências VI Seminário de Pesquisa em Artes,
Cultura e Linguagens PPG ACL | IAD | UFJF -Universidade
Federal de Juiz de Fora)
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