quarta-feira, 1 de maio de 2019

a aula...


Tempos atrás, para comemorar o Dia dos Trabalhadores, o Teatro do Oprimido fez uma apresentação na Uerj. O hall  estava cheio, com estudantes de várias áreas  sentados no chão formando uma roda, uma “ágora”. O Teatro do Oprimido abolia palco e roteiro, acontecendo  o mais próximo possível da realidade concreta. Augusto Boal , seu criador, foi ao centro da roda e explicou  o tema da peça : uma preconceituosa   elitista   cujo filho era dependente de drogas, porém ela desconhecia o fato. Isso gerará uma situação onde haverá um opressor e um oprimido. Boal se retira , a peça começa.
A cena que abre a peça mostra o filho entrando escondido  no quarto da mãe para surrupiar um relógio caro para trocá-lo por drogas. Ao se dar  conta do furto,  a mulher  chama pela empregada . Mal a trabalhadora  entra,  já a fere um grito: “Cadê meu relógio!?”, sendo acusada de ladra. Por ter feito faculdade, a patroa não se equivocava nas regras da gramática. Inclusive, essa destreza com as palavras  tornava a opressora mais cruel no emprego delas  como arma. No auge do preconceito,  entra o Boal e diz: “parem a cena!”. Ele se dirige então à plateia e pergunta  se alguém quer tomar o lugar do oprimido para  tentar vencer o opressor. Uma estudante de psicologia levantou a mão, foi até  ao Boal  e pegou a vassoura da personagem ( era o elemento cênico a simbolizar o oprimido). Como não havia roteiro, a estudante poderia interromper o fluxo verbal da opressora quando quisesse. Porém, a atriz-patroa, extremamente hábil e agressiva, pôs abaixo com facilidade as táticas psicológicas da estudante.  A aluna pediu para  sair. Outro estudante levantou o braço ,  um estudante de direito.  Boal passou-lhe a vassoura , recomeçou a peça. O garoto argumentava bem , era confiante. Mas ele tinha um ponto fraco: comportava-se  mais como um advogado, não como a vítima de fato. Também não resistiu... Ninguém mais levantava a mão, fez-se um silêncio.
Então me virei para trás e vi, na entrada do banheiro feminino, a faxineira de verdade da Uerj espreitando tudo.  Ela estava “invisível” a todos.  Quando  o Boal perguntou se deixaríamos a opressão vencer,   a faxineira  tomou coragem e gritou: “eu vou enfrentar ela!”, e  foi atravessando de vassoura na mão por entre os alunos . O Boal a recebeu com um sorriso, perguntando o nome dela.  “Maria da Anunciação ”, respondeu nervosa.  Boal deu-lhe a vassoura da personagem  e  Maria passou ao Boal a vassoura que era seu ganha pão. E as vassouras, a da arte e a da vida, eram exatamente iguais! Quando a peça recomeçou, a patroa retomou seus fascismos. Contudo ,Maria não se curvou, tampouco entrou em disputas dialéticas. Ela segurou firme a vassoura , seu “ganha pão”,  e fez dela também seu instrumento de  indignação:  Maria saiu dando vassouradas na opressora preconceituosa... E batia de verdade! Foi preciso toda a equipe para segurá-la,  Maria era forte, muito forte.... Explicaram para ela que era tudo de mentira.Maria respondeu: “Mentira!? É que isso não acontece com vocês!”. Aos poucos ela foi se acalmando, pediu água com açúcar, já sorria. Todo mundo sorria. E de vassoura na mão voltou Maria  para seu trabalho  passando  sorrindo diante da gente como uma professora que acaba de dar  uma excelente aula.






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