No poema
“Agroval”, Manoel de Barros narra o que faz uma imensa arraia quando as águas do pantanal secam e
põem a vida em perigo: a arraia abre suas grandes asas e pousa no barro, retendo parte da água
abaixo de si. No espaço entre seu abdômen e o chão úmido o coração do pantanal é transplantado para perseverar ainda vivo.
Generosa, a arraia deixa tudo o que
corre perigo vir morar sob suas
asas, fazendo delas abrigo. Migram não
apenas bichos, instalam-se também sementes
de futuras flores e frutos, de tal modo
que debaixo da arraia tudo o que vive acha um útero. Sob a proteção de tal Gaia, a vida
continua, resiste, fortalece-se; acontecem agenciamentos, contágios,
enamoramentos da vida por ela mesma, una e múltipla. Até mesmo uma festa se
esboça, feito uma kizomba a celebrar a
vida salva pela Vida. Pois quando as águas do pantanal vão secando , aumenta a lama e vai sumindo o
oxigênio. Os predadores sorrateiros lucram com a desolação e ficam à espreita para predar a vida que sufoca
. Mas a arraia é resistente: quando o oxigênio falta às águas, a arraia aprende
a sorvê-lo do ar para partilhá-lo com os
que procuraram teto sob suas asas. Aconteça o que aconteça, nunca a arraia se entrega ou desabraça. Quando as águas novamente
caem do céu e a vida pode recomeçar, a arraia levanta as
asas e parteja os seres que salvou do perigo.
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