sábado, 4 de maio de 2019

a arraia



No poema “Agroval”, Manoel de Barros narra o que faz uma imensa  arraia quando as águas do pantanal secam e põem a vida em perigo: a arraia abre suas grandes asas  e pousa no barro, retendo parte da água abaixo de si. No espaço entre seu abdômen e o chão úmido  o coração do pantanal  é transplantado para perseverar  ainda  vivo. Generosa, a arraia deixa tudo o que  corre perigo  vir morar sob suas asas, fazendo delas abrigo. Migram  não apenas bichos, instalam-se  também sementes  de futuras flores e frutos, de tal modo que debaixo da arraia tudo o que vive acha um  útero. Sob a proteção de tal Gaia, a vida continua, resiste, fortalece-se; acontecem agenciamentos, contágios, enamoramentos da vida por ela mesma, una e múltipla. Até mesmo uma festa se esboça, feito uma  kizomba a celebrar a vida salva pela Vida. Pois quando as águas do pantanal  vão secando , aumenta a lama e vai sumindo o oxigênio.  Os predadores   sorrateiros lucram com a desolação  e   ficam à espreita para predar a vida que sufoca . Mas a arraia é resistente: quando o oxigênio falta às águas, a arraia aprende a sorvê-lo do ar para  partilhá-lo com os que procuraram teto sob suas asas. Aconteça o que aconteça, nunca a arraia  se entrega ou desabraça. Quando as águas novamente  caem do céu e  a vida pode recomeçar, a arraia levanta as asas e  parteja  os seres que salvou do perigo.





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