sábado, 1 de julho de 2017

os replicantes...

Acabo de rever Blade Runner. Assisti a esse filme no cinema há mais de  trinta anos. O filme falava de um futuro que não era, àquela época, tão distante, porém não era também tão próximo, de tal modo que era crível o cenário que ele construía para 2019! 
O filme fora lançado em 1982. Parecia que, de fato, teríamos carro voando dali a 35 anos, bem como colônias interplanetárias,  robôs humanoides e coisas semelhantes. Hoje, olhamos para esse passado e percebemos que o futuro que ele planejou era ideológico, como ideológica é toda construção de futuro baseada na simples tecnologia. Porém, quando cresce uma geração nova, parece que a lição é esquecida, e novamente a tecnologia assume os ares de profeta de um futuro que nos salvará das mazelas do presente ( como se fosse ela, e não a política, a agente da autêntica mudança).
No entanto, o futuro que a tecnologia de hoje vislumbra revela mais o estágio da tecnologia atual do que nos faz conhecer a  tecnologia que será.  A tecnologia somente pode prometer mais tecnologia, ela promete mais dela mesma. No entanto, é possível haver mais tecnologia sem haver , ao mesmo tempo, menos humanismo? 
Além disso, quando se trata de cinema, com o passar do tempo as ficções científicas mudam a imagem  do futuro de acordo com as possibilidades tecnológicas de determinado tempo presente. Em geral, os jovens de hoje riem de filmes como Jornada nas Estrelas e semelhantes, porém aceitam como crível filmes como Avatar e congêneres. O futuro muda conforme muda a imaginação presente do que seja o futuro. E o que faz a imaginação presente mudar nunca é uma ideia  adequada do tempo, mas sempre a alienação de cada geração nova acerca do seu tempo presente. Ou seja, é sempre do presente que tais ficções científicas tratam, um presente que se projeta, imaginativamente, como  futuro.
Contudo, quando examinamos a história das línguas, percebemos que elas mudam ao longo do tempo. O português, por exemplo. O português falado há 100 anos  não é o mesmo que o falado hoje. Porém há 100 anos  era impossível aos falantes de então saber como seria o português falado hoje, pois o português de agora  é fruto de invenções não apenas linguísticas, mas também sociais e mentais. Não se pode prever como será aquilo que , para se tornar  real, precisa ser inventado!
Como será o português que se falará daqui a 100 anos? Ninguém sabe...Isso porque não é a língua que muda sozinha, é a vida que a muda, vida que pensa, age, afeta-se. Vida essa que não é totalmente científica, embora seja ela que cria ciência e ficções científicas.
 O português de amanhã não é criado nas academias, tampouco o está criando o linguista ou aqueles que falam corretamente as regras da gramática, que são aqueles que têm mente científica. Quem cria o português de amanhã são os que estão à margem do social, e por isso vivem a margem da língua. Quem muda a língua também são os que vivem nas margens metafísicas, sobretudo os poetas. As margens metafísicas são aquelas que não podem ser ditas pelos significados dominantes a serviço do poder dos que dominam o mundo “objetivo” de hoje.
Não é a tecnologia expressa em aparelhos (celulares, computadores, etc.) que muda o mundo, o que muda o mundo é o que muda a mente que dá sentido ao  mundo. O que muda a mente é a língua que molda o significado que o mundo recebe, incluindo o mundo da tecnologia. É a língua a matriz de toda tecnologia, pois a língua é uma "tecnologia mental". 
No entanto, um artista da língua, um inventor de sentidos, enfim um poeta,  não é um tecnólogo , ele se assemelha mais a um artesão, a um arqueólogo, a um explorador. Ele alcança origens muito mais originais:o poeta muda o que muda a mente, dado que , nele, é o sentido que é inventado primeiro, antes mesmo da distinção entre mundo e mente. 
O poeta não quer falar a língua que será falada em um futuro distante, ele deseja inventar um sentido para o que não cabe no ontem, no hoje e nesse amanhã que a ciência ficcionaliza. O poeta quer dizer o que não cabe em nenhum dizer, de ontem ou de amanhã, mas que apenas hoje ele pode dizer, embora esse dizer não seja de hoje, como é apenas de hoje a palavra que tão somente informa.

No filme Blade Runner, os homens inventaram robôs-exploradores , chamados  “replicantes”,  para estes irem até onde os homens não conseguem ir no espaço exterior. Os poetas são "replicantes" que a própria vida inventou, como “imitagem” dela mesma, para que eles povoem a terra que os homens também não alcançam. Essa "terra" é  um espaço mental interior tão amplo como aqueles espaços infinitos  que as ficções científicas apenas imaginam.





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