sábado, 18 de julho de 2015

formas em rascunho: deslimite e cor



















Quero escrever movimento puro.
Clarice Lispector

É verdade que, no caminho que leva ao que cabe pensar,
tudo parte da sensibilidade.
Gilles Deleuze


Não é a coisa limitada que impõe um limite ao infinito;
é o limite que torna possível uma coisa limitada.
Todo limite é ilusório, e toda determinação é negação, 
se a determinação não está numa  relação imediata com o indeterminado.


Gilles Deleuze



Chega de teorias, de promessas de ser. Não escreverei mais, não mais falarei; vou fazer, construir, inventar. Não quero mais contemplar, nem figurar mundos possíveis. Quero apenas uma matéria, uma vida para modelar: serei o barro, o metal, a matéria...Mas também serei o artista, o artesão, as ferramentas, as cores e a singular perspectiva.Vou esculpir a mim mesmo, serei minha obra a inventar. Não a farei segundo cânones ou técnicas, tampouco de acordo com  regras desta ou daquela escola. Simplesmente me farei, me inventarei, me esculpirei. Será a mão quem me fará. Retirarei dela anéis, alianças, unhas...A quero nua, criança.
Ela então começa...Esculpe meu detalhe, meu contorno e espaços, de dentro e de fora. Esculpe meus pensamentos novos, meus desejos que nascem agora. Ela esculpe meu coração e o que nele sente. Ela vai esculpindo, sem projeto, sem a priori, sem expectativas. Ela apenas esculpe, cria, inventa, faz. Eu não antes era, tampouco serei. Sou todo agora, e este agora é processo, fazer-se.
Falta pouco, quase nada. A mão já esculpiu o braço , o antebraço, o punho...Falta agora somente mais uma coisa para ela me concluir: falta minha mão esculpir minha mão. Falta ela esculpir a si própria. Resta o produtor coincidir com o produto, resta o artista ser a própria obra.

A mão então se contorce, tenta alcançar seu ser, que no entanto escapa. Não adianta virar do avesso, pois criar uma vida nova não é virar uma vida antiga pelo avesso. Então, a mão para, estanca, treme, parece ter chegado a um limite.É nesse momento que o pensamento vem tomar-lhe o lugar . Ele que ali , no entanto, sempre estivera. Pois o pensamento é  a mão da mão, ele é o fazer que pensa. Assim, sabendo-me  rascunho, obra se fazendo, anexata, liberto-me  de toda vontade de ser obra acabada.


                                 (Escher)

Não basta apenas a diferença por oposição a uma identidade rígida, oca, neurótica.É preciso “fazer a diferença” ( Deleuze). Só há diferença quando  feita, arriscada, ousada, instaurada. A diferença que não faz diferença não é diferença, é mera oposição, reação, impotência.A diferença, quando faz diferença, inventa a si própria como acontecimento novo, que para ser compreendido requer também um modo de conhecer e perceber diferentes.A diferença não é algo que se encontra pronto, muito menos se acha codificada em uma cartilha ou receita.Não se sabe o que é fazer diferença a não ser quando ela é feita. O conhecimento da diferença vem depois de ela mesmo ter sido feita, pois a diferença é exatamente aquilo que não se conhece antes dela, não se pode conhecê-la de forma a priori.Ao ser feita, a diferença também faz o conhecimento que se tem dela, conhecimento este também diferente, novo.Como fazer a diferença? Repetindo-a.  Por isso, a diferença é inseparável da experiência com ela própria. Em tudo aquilo que fez diferença há um aprendizado: repetir não o que se fez, mas repetir a diferença , que somente no novo se pode fazer.E qual é essa diferença? Invente-a.É do fazer a diferença que nasce um estilo. O estilo é uma harmonia na diferença, uma harmonia nada domesticada , uma harmonia selvagem, como os solos de uma alma livre, que sabe que todo solo somente é possível quando agenciada.




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