Existiu na Grécia uma jovem chamada Psiquê. Sua beleza era tanta, que a
própria deusa da beleza se sentia inferiorizada diante de Psiquê. A deusa da beleza era Afrodite.
Mas Afrodite era portadora da beleza
física, esta que vemos com nossos olhos. Antes de Psiquê , conhecia-se apenas
aquele tipo de beleza da qual Afrodite era a deusa. Psiquê, diferentemente,
portava uma beleza distinta, pois “Psiquê” é o nome grego da Alma[1].
A Alma é bela, essa a mensagem que nos deixam os gregos. Sua beleza rivaliza com a beleza do corpo, a única que Afrodite
conhecia. Todavia, enquanto Afrodite era
uma deusa, Psiquê era uma simples mortal.Por não conter sua inveja, e querendo atingir a sua rival, Afrodite resolveu vingar-se ...
Afrodite ( A Deusa da
Beleza): "- Como!? Existe entre esses seres efêmeros , que mais parecem um
pó rasteiro que o vento leva, existe entre os homens alguém mais bela do
que eu? Como pode!?E que nome estranho esse ser tem : Alma (Psiquê)...Como a
alma pode ser mais bela do que eu, que sou o Corpo!Só em mim pode haver beleza,
já que beleza só existe para os olhos! E são os homens mesmos que me adoram com
os olhos!Não apenas os homens me adoram.A prova disso é que meu servo maior é o
Amor, que não tira os olhos de mim e me cobiça para ser posse exclusiva sua.
Mas eu não cedo e jogo com ele, uso ele para reinar sobre todos.Essa Alma não
pode ser mais bela do que eu! Mas não quero ir conferir ou ficar em dúvida..."
(Afrodite manda chamar então Eros,
o Deus do Amor, que era seu servo)
(Dirigindo-se a Eros, Afrodite
ordena) :"Quero que você vá onde vivem os homens, encontre uma jovem
chamada Alma e atravesse o coração dela com sua flecha . Faça ela se apaixonar
pelo homem mais pobre, burro e feio que houver em toda Grécia..."
O Amor só tem olhos para a beleza, ele detesta a fealdade. É preciso
entender a fealdade em um sentido bem
amplo, pois existem também palavras e ações feias. Nunca o Amor se enamora de
tais palavras e ações: quando as vê, o Amor desvia os olhos. Por isso tais palavras e ações têm dificuldades
em germinar, pois para que algo se reproduza é preciso a influência do Amor.
De tudo o que o Amor havia visto no céu e na terra, Afrodite era, sem dúvida, a coisa mais bela.
Por isso, ele a acompanhava e fazia o que fosse do desejo dela. Em troca, a
única coisa que o Amor exigia de Afrodite era vê-la e estar-lhe perto .
Valendo-se dessa situação, Afrodite resolveu fazer de Eros a arma de sua vingança contra aquela que
possuía uma beleza que não pertencia ao seu império.
E lá veio o Amor descendo do céu em busca da Alma na terra. O Amor nunca havia visto antes a Alma. Afrodite esquecera-se desse detalhe, pois o que poderia acontecer nesse encontro entre o Amor e a Alma? Ele nunca a tinha visto antes. Ele não sabia o que ia encontrar. Guiava-o a memória da Beleza do Corpo, pois tal Beleza era Afrodite. Nada do que seus olhos vissem fora dele poderia ser mais belo do que a recordação que vivia em sua memória, assim pensava o Amor antes de encontrar-se com a Alma.Afrodite era a coisa mais bonita que ele vira, e essa verdade o completava , desde que ele estivesse perto dela.
E lá veio o Amor descendo do céu em busca da Alma na terra. O Amor nunca havia visto antes a Alma. Afrodite esquecera-se desse detalhe, pois o que poderia acontecer nesse encontro entre o Amor e a Alma? Ele nunca a tinha visto antes. Ele não sabia o que ia encontrar. Guiava-o a memória da Beleza do Corpo, pois tal Beleza era Afrodite. Nada do que seus olhos vissem fora dele poderia ser mais belo do que a recordação que vivia em sua memória, assim pensava o Amor antes de encontrar-se com a Alma.Afrodite era a coisa mais bonita que ele vira, e essa verdade o completava , desde que ele estivesse perto dela.
Porém, nem o Amor e nem o Corpo
sabiam o que podia a Alma, sobretudo quando a vemos, quando nos encontramos com
ela.Ouvir apenas falar dela não é conhecê-la. A Alma somente pode ser conhecida
diretamente, sem intermediários.
Então, o Amor achou a Alma,
Eros conheceu Psiquê.O Amor sentiu nascer dentro dele um outro, esse outro era
um amor novo, que era o Amor mesmo, porém renovado, potencializado,
mais amor do que nunca. Esse amor pela Alma não era uma negação do antigo amor
ao Corpo, mas o conhecer algo novo que afirma mais o que já somos. Enquanto o
amor pelo Corpo submetia Eros a caprichos e prazeres exigidos pelo ser amado,
como se fosse um preço a ser pago, esse amor nascido do encontro com a Alma o
fazia voltar-se para si mesmo e descobrir uma graça nascida de um desejo que
não se esgota na posse e no imediato .O Amor percebeu então que ele podia ser
reinventado, experimentar uma nova maneira de ele ser . E que ele próprio, o
amor, desconhecia tudo o que o amor pode. Ele viu que se desconhecia e que
havia nele potencialidades de amar que somente poderiam se tornar reais se ele
se unisse à Alma.A união dele com o Corpo era exterior ; contudo, o Amor sentia
que para ele se unir à Alma ele deveria morar dentro dela: cada um seria no
outro, sem carência ou falta. Mas o que é a Alma? Ela é invisível, intangível, porém como tem realidade e potência para quem a conhece! E quem a vê nunca mais a
esquece.E ela não está nos céus, nem no Olimpo, ela vive dentro do homem.O Amor
é eterno, mas não o é a Alma. Ela nasceu ninguém sabe como, pois onde menos se
esperava , ali nasceu ela. Ela não nasceu divina, nasceu humana. Sua
divindade seria conquistada por Justiça, e não por nascimento ou aparência. Só
uma divindade pode gerar uma divindade. Mas a Alma, embora não fosse
divina, fez nascer no Amor um ser novo, que era o Amor mesmo com
olhos outros, diferentes,capazes de verem o que se esconde de belo
nos homens, apesar de toda feiura que eles frequentemente são, dizem e
fazem.
O Amor, no entanto, não se revelou imediatamente. Ele guardou-se para o momento oportuno. E lá foi ele embora, com sua própria flecha atravessada no peito.A Alma, por sua vez, nada viu, porém sentiu atravessar-lhe um vento estranho.
O tempo passou , as irmãs de Psiquê se casaram e Psiquê permanecia só.
Embora todos a considerassem bela, ninguém a pedia em casamento, tampouco ela
se apaixonava por alguém. Contudo, o que
ninguém sabia, nem mesmo Psiquê, é que era o próprio Amor que evitava que a
Alma se apaixonasse.
Achando a situação por demais estranha, o pai de Psiquê resolveu
levá-la até ao Oráculo de Delfos, para
que o deus Apolo revelasse qual seria o futuro da jovem. Chegando lá, ambos
ouviram da Sacerdotisa de Apolo uma
revelação trágica: Psiquê deveria ir até um determinado castelo próximo dali.
Chegando lá , Psiquê aguardaria pela chegada da noite. Sob a escuridão da
noite, chegaria também o dono do castelo, que seria também seu noivo. O dono do
castelo era um monstro. Então, à noite, Psiquê deveria deitar-se na cama do monstro, para assim ser sua
esposa; pela manhã, ela deveria deitar-se na mesa, pois ela seria o café da
manhã desse terrível esposo.
Apesar da natureza trágica desses acontecimentos por vir, Psiquê não pensou em escapar , pois isso era
impossível. Àquela época, os gregos acreditavam que a vida de cada um era
governada pelo Destino, do primeiro ao último instante da vida. Por isso, a
Alma aceitou seu Destino. No dia seguinte, ela rumou sozinha para o encontro
com a morte.
Ao entrar no castelo, cuja porta estava aberta, Psiquê não encontrou
ninguém em seu interior. Então, ela subiu até ao quarto para arrumar-se para
aquela que seria , ao mesmo tempo, a sua primeira noite como esposa e a sua
última noite de vida.
Quando veio a noite, a Alma deitou-se no leito, e passou a aguardar,
conformada, o noivo-monstro. A janela
estava aberta, como se fosse uma pálpebra. Através dela,podia-se ver a lua imensa a observar o quarto . Uma súbita
brisa entrou pela janela e rodeou a Alma suavemente. Mas aquela não era uma
brisa comum. Como se tivesse braços, a brisa envolveu a Alma, e a apertou vagarosamente. Então, como se
adquirisse boca, a brisa soprou no ouvido da Alma as seguintes palavras:
“Psiquê, só lhe peço uma coisa: confie em mim. Se você confiar, no fim
será feliz”. Após ouvir essas palavras,
a Alma sentiu aquele abraço invisível apertar cada vez mais. O abraço provocava
na Alma sensações nunca antes por ela
sentidas, sensações de prazer e satisfação. Por fim, a Alma perdeu os sentidos, mergulhada que estava em
um transe nunca antes por ela vivido.
Ao acordar pela manhã, Psiquê se
viu sozinha na cama. Contudo, o lençol ao seu lado estava amarrotado,como se
alguém tivesse dormido ao seu lado. E o mais importante: o monstro não havia
aparecido.
Na noite seguinte, a Alma repetiu o mesmo comportamento da noite
anterior, e se pôs a esperar a morte.
Todavia, novamente a brisa entrou pela janela e a envolveu. A última coisa que
a Alma viu antes de desfalecer de novo foi, através da janela, a lua a lhe
sorrir.
Na manhã seguinte, o mesmo fato da manhã anterior: o lençol
amarrotado indicava que alguém dormira com Psiquê, mas partira
bem cedo. Quando veio a noite, novamente o mistério se apoderou da Alma, e com
ela dormiu. Pela manhã, ninguém...Isso se repetiu por noites e manhãs
seguidas....e nada de a morte vir
para devorar a Alma.
Certa vez, no meio da tarde, bateram à porta do castelo. Eram as irmãs de
Psiquê: a Desconfiança e a Dúvida. Estas ficaram surpresas ao verem a Alma
ainda viva. E mais surpresa lhes causou a alegria estampada no rosto da Alma.
De imediato, as irmãs de Psiquê pediram para que esta lhes contasse o que
afinal aconteceu e, principalmente, qual o motivo de toda aquela felicidade que
a Alma não conseguia esconder, embora
tentasse.
Enquanto ouviam a história, as irmãs de Psiquê começaram a se sentir
incomodadas com aquela felicidade da irmã. Pois parecia que a Alma havia
experimentado algo que elas, mesmo sendo casadas, nunca experimentaram.
Então, a Desconfiança se aproximou da Alma e lhe dirigiu palavras
que visavam pôr aquela felicidade da Alma em suspenso. A Dúvida, por sua vez,
aproveitando-se de seu poder sobre a Alma , disse-lhe para descumprir o
prometido, e ver quem era de fato aquele ser que lhe visitava todas as
noites. Descontrolada pela influência da Desconfiança e da Dúvida, a Alma ficou
insegura de si e do que sentia . Por fim ,ela perdeu sua capacidade de acreditar. Com isso, foi-se embora a felicidade que nascera dentro dela.
Antes de partirem, as irmãs de Psiquê lhe deixaram uma vela que tinha poderes especiais, pois
tal vela podia iluminar o invisível.
Naquela noite, novamente se repetiu a
visita do mistério . Mas, dessa vez, Psiquê tinha um plano. Ela esforçou-se
para não desfalecer como das outras vezes, ficando a fingir que dormia. Antes
de o dia amanhecer, ela acendeu a vela e a aproximou lentamente do ser que
dormia ao seu lado ainda. Pouco a pouco, a luz foi tirando da penumbra o ser
misterioso que nela se ocultava. Quando viu por completo o ser que o mistério
escondia, a Alma ficou maravilhada, pois nunca antes ela havia visto ser tão
encantador. Pois ao seu lado estava nada mais nada menos do que o próprio Amor[2]. O
Amor havia amado a Alma durante todas aquelas noites. Foi o Amor então que a
fizera feliz, como nunca antes ela havia
sido. Naquele dia no Oráculo, foi o próprio Amor que, ocultando-se ainda, falou à Alma, querendo ser desta o destino.
Contudo, tão absorta a Alma se encontrava, que ela não reparara que a
cera da vela estava prestes a pingar. Um pingo quente escapou da vela, e caiu
sobre o corpo do Amor, acordando-o de
súbito. Sentindo-se traído, o Amor
levantou-se rapidamente do leito. Ao puxar as flechas que pendiam sobre
a cama, uma delas feriu a Alma. Tais flechas eram usadas pelo Amor como
instrumento para que alguém, por
intermédio delas, se apaixonasse por outrem. Todavia, como a Alma estava
olhando para o Amor no momento em que foi ferida, era pelo Amor então que a
Alma passou a ter amor. O amor do Amor abrigou-se no coração da Alma, e isso a
tornava ainda mais bela. Contudo, antes de partir , Eros lhe disse: “ Psiquê,
somente um pedido eu lhe fiz, mas você não foi capaz de cumpri-lo. Sem
confiança não há amor.”
Feliz por ter encontrado o Amor,
mas ao mesmo tempo infeliz por tê-lo perdido por não confiar, a Alma
viu-se sozinha no castelo. Porém, subitamente ela reparou que não estava de fato sozinha, pois o Amor se
instalara em seu coração, e dele expulsou
a descrença. Mas este Amor no coração era apenas a semente que, para
germinar, precisava encontrar o Amor no mundo. Então, a Alma saiu para o mundo,
atrás do Amor que um dia teve, e que perdeu por dar ouvidos à Desconfiança e à Dúvida.
A cada um que encontrava pelo caminho, Psiquê perguntava se em algum
lugar esta pessoa viu o Amor ou se sabia onde ele estava. Para sua surpresa,
poucos confessavam que o haviam visto, e muitos
outros diziam que ele não existia . Dentre aqueles poucos que o haviam visto, um dizia
que o Amor se chamava Carmem; outro confessava que, no passado, teve um
Amor chamado Ana; uma outra dizia que o
Amor, para ela, atendia por Pedro. Ou seja, cada um havia visto o Amor numa
pessoa. Mas a Alma procurava pelo Amor cujo nome é, apenas, Amor: o Amor puro ― que é, ao mesmo tempo, o mais singular
e o mais universal.
Por fim, Psiquê resolveu pedir o auxílio dos deuses. Para seu infortúnio,
a primeira divindade que ela encontrou foi exatamente Afrodite. Escondendo de
Psiquê a inimizade que por ela sentia, Afrodite fingiu sofrer com o padecimento
da Alma, e disse saber como acabar com aquele tormento. Mas o que Psiquê não
sabia, e nem desconfiava, é que aquilo tudo era fingimento de Afrodite. Na
verdade, esta queria aproveitar o sofrimento de sua rival para melhor
derrotá-la.
Valendo-se da situação, Afrodite resolveu vingar-se com uma mentira, e
disse a Psiquê que esta somente teria o Amor de volta se fizesse inúmeras tarefas arriscadas e cansativas. Psiquê, no entanto, disse-lhe que não mediria
esforços para ter o Amor de volta. Assim, Psiquê caía na armadilha de Afrodite.
Esta acreditava que o cumprimento de tarefas tão desgastantes findaria com a
beleza da Alma. Como conseqüência, a Alma ficaria feia e acabada, e o Amor
nunca mais olharia para ela.
Contudo, embora se dedicasse com afinco às penosas tarefas, a Alma
nunca se enfeava. Uma das tarefas penosas era ir a uma praia imensa e separar os grãos escuros dos claros.Na hora, porém, apareceram milhares de formigas que vieram auxiliar na tarefa. Quando a alma se sacrifica para buscar o afeto que a potencializa, a natureza inteira se solidariza e não a deixa sozinha, por mais que ela pense estar. Assim, o
sacrifício pelo Amor, ao invés de a enfear e cansar, a tornava ainda mais viva e bela.
Enfim, vendo o Amor que a Alma o buscava mais do que a tudo, ele
resolveu não se esconder mais , e mandou seu irmão ir até à Alma para dizer-lhe
onde ele se encontrava. O irmão do Amor é o Perdão. O Perdão disse à Alma que o
Amor se encontrava escondido dentro dela.
O Amor quis então que ele e a Alma nunca mais se separassem. Para isso,
seria preciso que a Alma nunca morresse. Era preciso que a Alma também se
tornasse divina. Com esse intuito, o Amor procurou a Zeus, o deus da Justiça, e
pediu-lhe para que ele imortalizasse a Alma,tornando-a divina. Zeus disse então à Alma: "Aparentemente, parece fácil, em palavras, conquistar a imortalidade, porém é a coisa mais difícil na prática!...Se os homens fizessem na prática o que fazem com as palavras, o Olimpo estaria repleto de homens... ". Então Zeus diz o que é preciso a Alma fazer para se imortalizar: "Basta apenas estar sempre na companhia do Amor, nunca dele se afastar, não importa onde e quando."
[1] “Psiquê” está na raiz de “psicologia”, que é o
“estudo da alma”.
[2] Sem que Psiquê
desconfiasse, foi o Amor que, tomando o lugar do deus Apolo, falou com
Psiquê através do Oráculo. O intuito do Amor era, no tempo oportuno, revelar-se
à Alma. Por isso, ele inventou a história do monstro.
O texto acima é uma versão ampliada de um capítulo deste livro que escrevi:
2 comentários:
Tive a ideia de procurar seus textos na internet, e que bom que os encontrei! Este em especial, mas também muitos outros, que pude escutar nas aulas até agora.
Muito agradecido pela leitura ( e pela escuta...), caro Francisco.
E um grande abraço!
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