Mais importante do que o pensamento
é aquilo que faz pensar.
Proust
Quando o muito é verdadeiramente muito,uma parte dele nunca é pouca,mesmo
que seja a mais simples. O muito não é feito do mero somatório de poucos.O
muito autêntico não pode ser medido por números ou quantidades. Mas se saber parte do muito requer muito, sobretudo requer
o muito de coisas que não se pode
comprar, ou herdar, ou furtar.É um muito de potência, é um muito de se deixar
afetar. Quem vive como parte desse muito é sempre livre, pois inexiste prisão
que possa contê-lo, seja a prisão feita de concreto ou aquela mais sutil,mas
não menos tolhedora: a cela das
opiniões e verdades prontas, sejam as
verdades seculares ou aquelas mais midiáticas, das quais a cada dia o sistema
lança um modelo novo.
O muito da Natureza não é um muito que possa ser diminuído ou aumentado, pois
é um muito infinito ( e se o infinito pudesse ainda ser aumentado, não seria
infinito, e se pudesse ser diminuído, deixaria de ser infinito). O muito de Deus
é o muito da generosidade, da criatividade, da produtividade. O muito não se
conquista por acúmulo de coisas poucas. O autêntico muito é ser muitos, é
expressar-se de muitas maneiras, e estar inteiro, íntegro, em cada maneira, seja diante do Rei ou do simples mendigo.
Ser muito não é ser muito de uma coisa só, como o oceano que é muito
apenas de água, ou o banco que tem muito apenas de moeda. Ser muito é ser composto
de coisas heterogêneas, de coisas raras.O muito de Deus é que cada coisa, por
menor que seja, é um muito para ele, e ele não a despreza, pois essa coisa
também é ele.Deus é único,singular. Se ele fosse dois, não seria Deus. E este é seu muito: ser raro. Cada parte dele só se sabe muito se aprender a ver sua raridade,bem como a raridade das coisas que são tomadas como meramente comuns.
O muito não pode ser cercado, tampouco possui um centro. O muito
não tem verso ou reverso, ele não é par ou ímpar, sim ou não. Ele está sempre
no meio e é meio que leva a ele mesmo: ele é o caminho, o caminhar e aonde
chegar.E quem por ele caminha nunca se perde, tampouco chega a um fim.
O oposto do muito
de Deus não é o nada, pois o muito não tem oposto ou contrário.O nada pode ser
um muito de coisa nenhuma, como o castelo imenso no qual morreu o milionário Cidadão
Kane. No mito, o Rei Midas cobiçou um muito de ouro, esquecendo que o valor do ouro está em ele ser raro, como é raro um bom coração, um coração de ouro.
O muito de Deus não é alcançável por um acúmulo de saberes. Pois só há um
saber, e este é raro e múltiplo.O muito é múltiplo, heterogêneo, plural , e ao
mesmo tempo raro, singular. O muito não é o excesso, pois o excesso é o oposto
do pouco, e o muito de Deus não tem oposto.
O muito de Deus não é um conteúdo
que somente aprenderíamos aumentando a nossa inteligência ( tal como uma
piscina que é aumentada para receber um volume imenso de água).O muito de Deus
é um conteúdo que dá consistência, que intensifica, e não algo que vem
preencher um vazio.Vazia pode se tornar a inteligência quando reduz tudo a
objetos, quantidades, cálculos,mensurações...
O muito de Deus consiste na autêntica riqueza que se possui
sem precisar acumular, que se usufrui sem ser pelo comprar , gastar e consumir.
Segundo Espinosa, essa riqueza quem mais
a teve foi Cristo.Depois a tem as crianças, sobretudo as que acabam de nascer (
não importando se tem 1 dia de vida, 30, 40 ou 70 anos, quando então tal
riqueza se vive como um re-nascer, um re-generar).
E pode ganhar essa riqueza quem perde tudo.E mais pobre dela pode ser
quem muitas coisas tem.
2 comentários:
Sublime!
Obrigado, Flávia!
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