quarta-feira, 9 de maio de 2018

- a calça


                                                              O que desabre o ser é ver e ver-se.
 Manoel de Barros

Eu tinha uns 17 anos,  e fui  eu mesmo lavar , certo dia, uma calça jeans minha. Na época, existia apenas calça jeans escura, padrão. Para secá-la, usei o varal.Horas depois, devido ao vento, encontrei a calça caída com uma das pernas em uma bacia . Recoloquei a calça no varal. Na manhã seguinte, vi que não era apenas água e sabão o líquido da bacia, havia também água sanitária, pois a perna que imergiu estava completamente desbotada! Ao ver o acontecido, “desabriu” em mim um olhar novo. Comandado por ele, mergulhei   a calça  inteira na bacia com água sanitária...
No dia seguinte,  ficou  pronta a obra: nunca antes vi uma calça parecida. Era  mais do que uma calça agora : era arte nascida da vida. Ao pôr a calça, senti que vestia mais do que meu corpo , vestia também minha liberdade. Na minha inocência, porém,  imaginei que todos amariam minha re-invenção, e aprovariam me ver    vestindo criatividade. Mas quando saí à rua fui fuzilado pelo olhar julgador dos que se vestem com o uniforme  de um viver homogeneizado, sem arte. Tive que tomar ali a decisão mais importante da minha vida : ou voltar para casa e vestir  calça e alma “mesmal e acostumada”,  ou afirmar minha diferença enfim vestida e conquistada.
Chegando ao colégio, um amigo do peito gostou daquele poema que inventei sob a forma de calça. Ele  quis saber como fiz  aquela subversão , para  fazer também a sua. E assim eu já não estava mais sozinho.

Pollock em ação


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