terça-feira, 24 de maio de 2016

manoel de barros: a estética da ordinariedade

No "Livro de pré-coisas" , na prosa poética intitulada "Agroval", Manoel de Barros descreve um acontecimento ordinário do pantanal. “Ordinário”, aqui, significa a mesma coisa que comum ou regular. À ideia de “ordinário” costumamos opor a noção de “extraordinário”. Vale a pena lembrar a origem matemática destes termos. Na matemática, os “pontos ordinários” de um triângulo são os inumeráveis e indistintos pontos que ocupam cada um dos lados da figura, ao passo que seus três “pontos extraordinários”, ou singulares, localizam-se em cada ângulo do triângulo. Em uma reta, por sua vez, os pontos extraordinários são dois: aqueles que ocupam os extremos da linha.
Todavia, a diferença entre ordinário e extraordinário mostra toda a sua riqueza quando examinamos o círculo. Aparentemente, tal figura geométrica é destituída de pontos extraordinários ou singulares. Mais do que uma linha reta, geralmente costuma-se afirmar que nossa vida é um círculo: o círculo de nossa vida. Então, estaria o círculo de nossa existência destituído de momentos singulares? Estaria nossa vida refém do ordinário?
Mas o círculo guarda um segredo, tanto na matemática como na vida: qualquer ponto ordinário seu pode metamorfosear-se em ponto extraordinário, se por ele passar uma tangente. No encontro da tangente com o círculo, ambos dividirão o mesmo ponto, abrindo assim o círculo a uma força que vem de fora de seus limites e contornos. Quando o ordinário se converte em extraordinário, acontece o deslimite - renovando-se a vida.
Assim, entre o ordinário e o extraordinário não existe uma diferença intransponível: é no seio do ordinário que o extraordinário acontece. “Cada coisa ordinária é um elemento de estima”, afirma o poeta. Pois, complementa, “é no ínfimo que eu vejo a exuberância”. Em "O Guardador de águas", ele revela ainda: “No achamento do chão também foram descobertas as origens do voo.” É no ordinário do chão que o extraordinário, como voo, é “achado”. Enfim, “o chão é um ensino”.

"O que eu descubro ao fim da minha Estética da Ordinariedade , afirma o poeta,é que eu gostaria de redimir as pobres coisas do chão".

(trecho do livro)






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