Pensamos em novelo.
Maria Gabriela Llansol
Diz a exata ciência que as linhas retas são a menor distância entre dois pontos imóveis. Mas o fio que que tece narrativas alcança os mais distantes pontos e os conecta, os aproxima, para assim criar elos, ampliando-nos até eles, mesmo que eles estejam em espaços que ainda não existem: espaços desejantes de invenção e utopias.
Etimologicamente, novelo é: novo elo. Traçamos fios juntos para criar novos elos.Essa é a razão de ser do novelo: não acúmulo de linha, mas manancial de novos elos, novos agenciamentos. Mesmo um objeto pode ser um novelo, um novo elo, desde que nos coloquemos como agentes produtores dos fios , fios de sentido, que nascem deles.Um objeto não é apenas uma coisa que se usa, ele pode ser um agente de novos elos.
Arthur Bispo do Rosário viu-se preso no labirinto de seus delírios. Porém,o fio da arte o fez achar uma linha de fuga : em cada lençol , em cada roupa, em cada coberta ou casaco que lhe davam no incomunicável quarto do asilo , ele soube achar nessas coisas o novelo ainda ali vivo; na coisa pronta ele soube descobrir o processo que as fez nascer.Não havia mais camisa ou lençol, mas um novo elo para ele se achar no mundo, achando-se em si mesmo. Ele viu o novelo que ainda vivia nas coisas como memória, imaginação, potência, invenção, virtualidade, enfim, vida...Sua bordadura poética fez viver de novo o fio que se fiou nas coisas, para assim fazer viver no finito o infinito novelo de qual todas as coisas saíram. E quem a isso vê, produz em si mesmo uma clínica, uma saúde.Dos fios desfiados de camisas e lençóis já quase em farrapos, Arthur soube com eles fiar as bordaduras de uma existência nova. Dos fios de um uniforme que vestia o louco, ele desfez a forma, libertou o fluxo dos fios, e com estes inventou a capa multicolorida de um rei.
(Arthur Bispo do Rosário)
São os novos elos que nos possibilitam criar linhas de fuga que vencem os labirintos.Mas não se fia esse fio sem o confiar nos elos, não se fia esse fio sem o agenciamento que todo con-fiar é.
Toda ideia é um fio que se fia junto, e o novelo do qual ela nasce é o pensar. Pois é isto o pensar: ele nada tem a ver com um ponto-ego, dado que ele é prática de fazer novos-elos, de os criar.
O amigo fia a ideia da amizade ao crer no amigo; o amante fia o amor para amar a quem ele se une em elo. É a justiça, a ideia da justiça, que dá ao juiz o poder que ele tem, não sua toga ou paramentos: a sentença somente é justa se for um fio que se puxa do novelo da justiça.
Os bons encontros de que fala Espinosa são fiações, bordaduras, tessituras das relações que nascem do Novelo infinitamente infinito da Natureza.
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