A palavra “fortaleza” nos faz imaginar algo cercado por muros espessos e
elevados :no alto dos muros sentinelas montam guarda contra invasores e
inimigos. Em tais fortalezas os homens guardam tesouros ou bens que querem
proteger de usurpadores.
Ao falar das virtudes, Espinosa enfatiza uma delas em especial: a
fortaleza (fortitudo).Mas a fortaleza em Espinosa não se constitui de muros ou cercas.Ao
contrário, ela possibilita caminhos, agenciamentos."Fortaleza" procede de "força". Alguns tradutores traduzem "fortitudo" como "força de ânimo". O ânimo é mais do que a mera "disposição" para fazer isto ou aquilo.Às vezes, é preciso muito ânimo para resistir a um fazer que nos aliena. O ânimo é o princípio da vida. A força implicada pela fortaleza é a força da vida. A força da vida não se expressa apenas em termos de músculo ou movimento no espaço. Não é força para fazer isto ou aquilo, mas força para ser.O homem mais forte é aquele que mais existe. O contrário do ânimo não é a morte ou a doença, mas o des-ânimo.O oposto da vida não é a morte, e sim a vida enfraquecida em seu ânimo.Existir, para Espinosa, é agir. A mente age quando conhece, quando pensa, quando deseja. O corpo também age quando olha, quando ouve, quando silencia sua boca e mesmo quando fica imóvel.Uma mente agitada por pensamentos e sentimentos não é uma mente que age, ela é uma mente que sofre. O corpo do viciado em busca do objeto do seu vício se move muito, porém não age, padece.
A força do ânimo se chama virtude.Em latim, "vis". Em Espinosa, a virtude não pertence ao campo moral, ela compõe a ética. A virtude constitui a fortaleza de cada ente que existe, e não apenas o homem. Na sabedoria oriental, por exemplo, considera-se a flor de lótus o exemplo de fortaleza: a despeito da lama que a rodeia, ela não des-anima. Ela não tem muros a rodeando, porém a lama não a toca. Não obstante as circunstâncias, a flor ensina, com sua existência e não com meras palavras, a como perseverar na beleza ( no japão antigo, o candidato a guerreiro deveria passar por uma prova, que não era teórica ou mero teste de conhecimentos:ele deveria entrar na lama, perder vaidades e pretensões, ficar nela por horas ou mesmo dias, e dela somente sairia se aprendesse a lição da flor de lótus...).
A força do ânimo se chama virtude.Em latim, "vis". Em Espinosa, a virtude não pertence ao campo moral, ela compõe a ética. A virtude constitui a fortaleza de cada ente que existe, e não apenas o homem. Na sabedoria oriental, por exemplo, considera-se a flor de lótus o exemplo de fortaleza: a despeito da lama que a rodeia, ela não des-anima. Ela não tem muros a rodeando, porém a lama não a toca. Não obstante as circunstâncias, a flor ensina, com sua existência e não com meras palavras, a como perseverar na beleza ( no japão antigo, o candidato a guerreiro deveria passar por uma prova, que não era teórica ou mero teste de conhecimentos:ele deveria entrar na lama, perder vaidades e pretensões, ficar nela por horas ou mesmo dias, e dela somente sairia se aprendesse a lição da flor de lótus...).
(cena do filme A saga do judô, de Kurosawa: o aprendiz de guerreiro , na lama, aprende a lição da flor de lótus)
As virtudes se distinguem das paixões. Estas nascem quando a alma
padece.Este padecer pode gerar ódio ou amor, tristeza ou alegria.O padecer gera
ódio e tristeza quando imaginamos que algo de exterior nos nega, ou mesmo algo
de interior, quando o que nos nega somos nós mesmos.Quando imaginamos que algo
nos nega, nasce uma tristeza em nossa alma.Há vários modos de imaginar que algo
nos nega:podemos imaginar que ele não reconhece nossas qualidades, ou que as
inveja, ou que as quer roubar,ou que as tenta diminuir, zombar, ridicularizar,
difamar...Imaginamos que a única maneira que temos de nos proteger de tal
destruição que nos ameaça é odiando aquilo que imaginamos nos odiar, é
destruindo aquilo que imaginamos querer nos destruir.Ao ódio recebido ou
imaginado, devolvemos com ódio efetivo. Pois quando devolvemos o ódio não o
fazemos apenas imaginando:o devolvemos falando mal do outro, pensando mal
do outro ou mesmo lhe fazendo mal, direta ou indiretamente.Assim, mesmo que
aquele que imaginamos nos odiar não nos
odeie de verdade, reagiremos como se assim o fosse. E o objeto de nosso ódio
também poderá nos odiar, e agora de verdade, e não apenas em nossa imaginação.Ou
seja, um ódio nascido da imaginação se torna um ódio de verdade, sem que se
possa discernir um do outro. Pois quando o ódio nasce da imaginação ele já é
uma verdade para aquele que assim imagina e sofre.
A imaginação se caracteriza por tornar presente o que é ausente.Toda
imagem que ocupa presentemente a alma depende da imaginação.Quando nos
lembramos de algo que aconteceu o fazemos tornando presente à nossa mente uma
imagem, e esta imagem presente é mais imaginação do que memória. Mas também quando
imaginamos que alguém nos ama ou odeia, assim o fazemos tornando presente uma
imagem em nossa mente: a imagem do amor ou do ódio acompanhando a ideia, ainda
que confusa, de determinada pessoa ou
coisa. Quando um boxeador golpeia seu adversário ele não o faz movido por ódio,
pois dentro dele não é o ódio que acompanha a ideia do adversário que ele golpeia. Ao contrário, o que determina sua
mente, e a torna confiante do que faz, é o afeto do amor acompanhando a ideia
do boxe. Ele bate movido por amor ao boxe, e não por ódio ao adversário. É por
isso que o boxe é um esporte ou arte, não uma briga.Assim deveria ser toda crítica que endereçamos a alguém.
Mas o padecer também pode ser de alegria. Padecemos da alegria quando
imaginamos que algo de externo nos ama. Imaginamos que ele nos quer bem, que
fala bem de nós, que nos valoriza, que quer nossa amizade, que reconhece nossas
qualidades, enfim.Ao imaginarmos que alguém ou algo nos ama, sentimos alegria.E
dessa alegria sentida reagimos devolvendo amor. Porém, se imaginarmos que
aquele a quem damos amor rejeita esse amor que damos, podemos nos sentir diminuídos,
negados, e assim novamente nasce o ódio, ódio este nascido do amor.Este ódio
será tão grande quanto era o amor ofertado.
Assim , diz Espinosa, embora seja melhor amar do que odiar, esperar ser
amado em troca do amor que damos pode gerar o sentimento contrário do ódio.Tais
são as armadilhas do padecer, do reagir.
As virtudes não são um padecer, elas são um agir. Elas não são paixões,
elas são ações.Toda virtude é um agir.Padecemos quando aquilo que fazemos se
explica mais por outra coisa do que por nós mesmos. Um exemplo: quando está
bêbado um homem diz e faz coisas que se explicam mais pela bebida do que por
ele mesmo. Passado o efeito de tal padecer, o homem poderá se arrepender do que
disse ou fez naquele estado.O que vale para o estado de embriaguez vale para
todos os padeceres de que sofremos.Muitos imaginam que somente conseguem fazer
coisas sob o efeito da bebida, ou seja, imaginam que ser livre é fazer coisas
que depois poderão se arrepender.O agir acontece quando aquilo que fazemos se
explica mais por nós mesmos do que por outra coisa.Não que a ação nasça apenas
de nós mesmos, de nossa vontade ou ego. Algo que fazemos se explica por nós
quando nos tornamos capazes de fazer uma ideia adequada de nós mesmos, daquilo
que desejamos.
A fortaleza é uma virtude.As paixões têm contrários: o ódio é o contrário
do amor, a tristeza é o contrário da alegria, e na vida podemos passar de um
afeto contrário a outro, e isto em relação a um mesmo ser :aquele que antes
amávamos, hoje odiamos; e aquele que antes odiávamos, hoje amamos. Esse vai e
vem da alma de um afeto ao seu contrário chama-se exatamente flutuação ou
volubilidade. Mas das virtudes ou ações não há contrário: a não ação não
existe.Por exemplo, o mero não beber não cura o viciado do seu padecer pela bebida.O que é a alegria? A experiência de que
nosso poder de agir aumenta. O que é a tristeza? A experiência de que nosso
poder de agir diminui.Desse modo, por detrás de tudo está o nosso poder de
agir. Nas paixões, ele flutua ao sabor dos encontros que fazemos, e assim nos
torna inconstantes.Conquistamos a virtude quando nos assenhoramos não das
coisas, mas do nosso poder de agir.E o primeiro poder de agir que devemos nos
apoderar para sermos livres é o poder de pensar: o pensar tem como potência ou
virtude o compreender. Quanto mais a mente compreende, menos ela padece. E
dessa compreensão nasce uma alegria que não é um padecer , mas um agir, alegria
esta da qual somos causa: somos causa para nós e para os outros, na medida em
que agiremos para auxiliar os outros para conquistarem sua alegria própria, e
não invejar a nossa.
A fortaleza é uma virtude ético-clínica.Ela fortalece a alma . É
ligando-se à saúde que a alma se fortalece, e não lutando contra a doença.A
maior doença é o ódio, não tanto o que se imagina receber quanto aquele que de
fato se dá.
A fortaleza possui duas metades: firmeza e generosidade.A firmeza é a
fortaleza para conosco. Ser firme consigo não é odiar-se como se fôssemos uma
criança irresponsável. Ser firme consigo não é ser para si um sargento ou
general, como se fôssemos também um soldado.Ser firme consigo não é odiar-se. Quando
busca o sol, a planta é firme consigo. O passarinho somente voa e vence o medo
de largar o ninho quando é firme consigo. O viciado somente se liberta do vício
quando é firme consigo. Somos nós mesmos que temos que ser firmes conosco, não
um carrasco, não um pastor, não um general, e jamais seremos firmes conosco
sendo para nós mesmos um pastor, um carrasco ou um general. Ser firme consigo
nasce da liberdade para consigo. Ser firme não é ser rígido. Ser firme não é
impor-se mandamentos ou cartilhas.Ser firme é vencer em si a flutuação que vai
do amor ao ódio, e do ódio ao amor.
A generosidade é a fortaleza compreendida a partir da nossa relação com
os outros. A firmeza é a fortaleza relacionada a nós mesmos, a generosidade é a
fortaleza referida aos outros.Ser generoso não significa diminuir-se diante dos
outros, tampouco aumentar os outros.
As palavras “generoso”, “gerar” e gênese têm uma origem comum. Todas têm
relação com a palavra “nascer”.O generoso é aquele que faz nascer algo, o faz
nascer por uma partilha, por fazer participar o outro de algo. O generoso faz
nascer algo comum entre ele e o outro, mesmo que esse algo comum seja a
capacidade de errar ou acertar. Ele também se esforça para fazer nascer no
outro a capacidade da compreensão, para que assim ambos a partilhem.Assim, o
generoso não é exatamente quem dá dinheiro, ou que oferta algo na esperança de
receber recompensas em troca. Partilhar não é exatamente emprestar ou dar. Pois
ele não dá o que é exclusivamente dele, e é por isso que aquele que partilha
também recebe, e é grato àquele que lhe permite ser generoso. Quando o juiz
julga a partir da lei, e não segundo o ódio, ele partilha a justiça com o réu,
e é generoso com este.Ele destrói no réu apenas aquilo que o diminui. A justiça
não é posse exclusiva do juiz . A justiça não é posse, mas partilha.E toda
partilha pressupõe um encontro, uma relação.A amizade não é posse de Pedro ou
Paulo, mas aquilo que faz nascer Pedro e Paulo como amigos.A generosidade não é
um perder ou um ganhar, mas um ser, um agir, um causar.
Segundo Espinosa, a fortaleza se torna mais forte quanto mais
compreendemos , quanto mais a mente se torna virtuosa. E não há mente virtuosa
sem corpo virtuoso. Todavia, mesmo que não possamos tornar isso efetivo pela
força exclusiva da mente, devemos usar ao menos a memória, como faz o aprendiz,
para assim não nos esquecermos do que
preconiza a fortaleza: firmeza para consigo, generosidade para com os outros, e
não rigidez para com os outros e benevolência para consigo.
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