(trecho do livro)
Quanto às funções da poesia...Creio que a principal é a de promover o arejamento das palavras, inventando para elas novos relacionamentos, para que os idiomas não morram a morte por fórmulas, por lugares comuns. Os governos mais sábios deveriam contratar os poetas para esse trabalho de restituir a virgindade a certas palavras ou expressões, que estão morrendo cariadas, corroídas pelo uso em clichês. Só os poetas podem salvar o idioma da esclerose. Além disso, a poesia tem a função de pregar a prática da inocência entre os homens.
( Manoel de Barros, “Sobreviver pela palavra”).
Essa “terapia” da linguagem e dos homens constitui a essência dessa poética que se abre a uma experiência singular, onde o chão “pode divinar” e nos restituir a eucaristia com os seres que, “vestindo o poeta” , fazem da poesia um “afloramento de falas” : falas da vida, falas da infância, falas dos excluídos, falas do inconsciente, falas do corpo, falas daqueles que não têm falas...enfim, falas de nós mesmos que muito nos custa calar.
Assim, essa “didática da invenção” e do estilo, construindo uma “Imagem” singular para a vida, “empoemando” as palavras para assim nos ensinar a “empoemar” a nós mesmos, nos diz que é preciso
A prática do desnecessário e da cambalhota , desenvolvendo em cada um de nós o sentido do lúdico. Se a poesia desaparecesse do mundo, os homens se transformariam em monstros,máquinas, robôs.
Se a poesia desaparecesse do mundo, adoeceríamos de uma fala puramente egóica ou massificada, uma fala-clichê sem “florescimentos”: uma fala refém das significações e representações que, no presente, prostituem e estupram as palavras.
Se a poesia desaparecesse do mundo, restaria apenas uma fala que tão somente reproduziria, como “boa-cópia”, aquilo que o poder, estabelecendo seus limites (semânticos, políticos, midiáticos, mercadológicos, existenciais...), permite falar e ser.
A essência da poética de Manoel de Barros, sua empoética terapêutica,consiste em produzir uma didática da invenção. Esta nos ensina que não apenas o poema, mas a própria Vida somente se explica como um “milagre estético”:
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.
Foi capaz de interromper o vôo de um pássaro
( Manoel de Barros “O menino que carregava água na peneira”)
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