quinta-feira, 7 de maio de 2015

pop'filosofia

(trecho do livro)


                                          INTRODUÇÃO À FILOSOFIA

                                                     

  
                                                          Serás menos escravo do amanhã,
                                                                              se  te tornares dono do presente.
                                                                         
                                                                                Sêneca

                                  
  
Dar uma definição rápida do que significa a filosofia não é tarefa fácil. Oriunda do grego, a palavra “filosofia”  nasceu da reunião de duas outras palavras: “philo”  e “sophia”. Em português, “philo” significa tanto “amor” como “amizade”. Isso quer dizer que a filosofia não é apenas algo intelectual ou racional, pois ela se nutre também de uma dimensão afetiva, expressa exatamente pelo termo “philo”.
“Sophia”, por sua vez, significa “sabedoria”. Assim, uma definição simples e geral da filosofia seria: “amor ou amizade pela sabedoria”. Visto dessa maneira,o filósofo não é apenas amigo da sabedoria, ele não é apenas um intelectual, ele também é um enamorado, uma vez que ele ama o que o faz ser o que ele é.
“Sophia” não é só teoria, fórmulas, razões.Ela também é Vida, Arte, Poesia.São a essas coisas que o filósofo dedica amor, são a essas coisas que ele se declara:ele  não se declara apenas falando, ele se declara também agindo, fazendo,criando; e faz disso seu modo de vida.
Sophia também pode ser um nome próprio. "Sophia",ou "Sofia", é o belo nome que muitos pais escolhem para chamarem a quem trazem à vida. Todavia,“Teoria” é tão abstrato que alguém vivo não se deixa chamar assim, tampouco  pode ser o nome de alguém “razão” ou “ciência”. Não dá para imaginar alguém se chamando “razão”!(embora muitos imaginam encarná-la e serem donos exclusivos dela...).
Assim, tal como uma pessoa que existe, a sabedoria só atende se for chamada pelo seu nome.Se alguém a chamar apenas de "razão" ou "ciência" ela não atenderá, ela não virará seu rosto para quem assim a chamar,mesmo que grite, mesmo que,com poder,ordene. Mas assim como uma pessoa é mais do que seu nome, a sabedoria é mais do que sabedoria, ela também é generosidade,coragem, modéstia,invenção.São nessas coisas que se pode  reconhecer também  a sabedoria.
Mas que sabedoria é esta? Em primeiro lugar, é preciso não confundir filosofia com ciência. A filosofia não é uma ciência, embora todas as ciências tenham saído dela. A Física, a Biologia, a Matemática, a História, a Medicina, a Economia...todas essas disciplinas nasceram da filosofia. Mas Física, Biologia, Matemática, etc, não são sabedorias, e sim formas de conhecimento.
A principal diferença entre a sabedoria da filosofia e o conhecimento da ciência  repousa no fato de que todo conhecimento científico  pressupõe um objeto. Por exemplo, nosso corpo pode ser objeto de conhecimento da Física, da Biologia, da Química, da Medicina, etc. Cada ciência faz um “recorte” sobre nosso corpo, para assim torná-lo objeto de conhecimento.  Ao fazer isso, a ciência perde de vista o todo, já que  nosso corpo não é apenas uma realidade física, biológica ou química, mas a reunião disso tudo e mais outras coisas. Ao realizarmos esse tipo de afirmação, buscando assim o todo ou a “essência”, entramos sem dúvida na filosofia...Ou melhor,nos damos conta de que nunca podemos sair dela.Pois enquanto a ciência disseca a realidade em partes separadas e estanques, criando assim um conhecimento especializado, a filosofia une e liga cada parte ao todo.Este todo não é um todo fechado à maneira de um círculo. Se o fosse, não seria o todo, mas apenas um conjunto, um  conjunto de coisas. E um conjunto de coisas também pode ser um objeto de estudo da ciência.
Por isso, o que a filosofia evoca e pensa nunca é um todo fechado.  Enfim, enquanto a ciência cria especializações, a filosofia procura por sua vez promover integrações. Integrar não é meramente somar ou adicionar. Integrar é fazer viver cada parte no todo que pode tornar cada parte   mais viva,uma vez que a faz viver ligada,unida,sem perder sua singularidade e diferença.
Durante o século XIX,  no auge do positivismo, muitas dessas ciências citadas não apenas desconsideravam a filosofia, como também afirmavam que ela não possuía nenhuma serventia para a humanidade. Muitas dessas ciências quiseram substituir a filosofia. Foi a época da ideologia cientificista (que Machado de Assis, no livro O Alienista, ironizara tão bem). Imperou nesse período o chamado “reducionismo”[1]. Ou seja, cada ciência achava que o objeto por ela estudado não era uma parte da realidade, mas a realidade inteira. Assim, os químicos achavam que tudo podia ser explicado quimicamente (inclusive os sentimentos humanos). Os biólogos, por sua vez, achavam que todo comportamento humano, inclusive aqueles considerados os mais nobres (como os comportamentos morais e éticos) , nada mais eram do que o efeito de condicionantes biológicos. No direito, por sua vez, esse reducionismo marcou o surgimento do positivismo na França, quando a lei escrita, posta pelo Estado, passou a ser considerada a única fonte de direito, tornando-se depois, o positivismo, uma ideologia. Radicalizando essa visão, Napoleão retirou o ensino de filosofia nas faculdades de direito da França.
Todavia,mais do que fazer de uma parte a verdade do todo,o que tal procedimento positivista fazia era tomar uma parte como um todo à parte.E o mais absurdo nos reservava o século XX, quando uma parte da filosofia,a Lógica, passou a pretender ser a filosofia inteira: tudo aquilo que não era lógico foi considerado palavra vazia sem sentido. Mas talvez não exista nada mais sem sentido do que a loucura, a loucura racional, de uma lógica que queira, enquanto parte, ser o todo... “Uma razão insone engendra monstros”, ensina-nos Shakespeare .
Assim, o retorno da filosofia como um tipo de saber necessário ao médico, ao biólogo, ao economista,ao museólogo, ao profissional do direito, etc, pode ser explicado  a partir da necessidade de esses profissionais integrarem suas atividades em uma perspectiva mais ampla, integrando-as à sociedade, e levando em conta não apenas o conhecimento técnico e especializado, mas também os valores éticos. Enfim, uma visão mais ampla da medicina enriquece a própria medicina e o médico que a exerce; assim como uma visão que integre o direito em uma perspectiva mais ampla do que a mera tecnalidade jurídica, enriquece igualmente o próprio direito e aqueles que se dedicam ao seu estudo e exercício profissional.
Mas se a sabedoria da Filosofia não possui objeto, no sentido em que o conhecimento da ciência o possui, então o que exatamente a Filosofia estuda?
A filosofia enquanto sabedoria espelha intimamente as principais atividades da alma humana.  Esta possui quatro atividades principais: pensarconheceragir e sentir. O conhecer é atividade realizada pela razão ou inteligência ( em seu sentido mais amplo); o agir, por sua vez, é uma atividade exercida pela vontade; enquanto o sentir é uma atividade realizada pela  parte de nossa alma designada como desejo ( ou sensibilidade). Razão, vontade e desejo são faculdades da alma humana. O pensar é uma atividade ou potência exercida pelo pensamento ( em grego,”nous”).Assim, pensar não é a mesma coisa que conhecer. Por exemplo, conhecer o direito é uma atividade que diz respeito à Ciência Jurídica. Mas pensar o direito é uma atividade exercida no âmbito da Filosofia Jurídica. Conhecer a vida é atividade da Biologia,ao passo que pensá-la cabe à Filosofia da Vida.Por isso, o pensar não é atividade de uma faculdade específica,uma vez que ele é uma atividade, um processo, que concerne à alma como um todo.
A parte da filosofia que trata do conhecer chama-se Epistemologia ( ou Teoria do Conhecimento).[2] A epistemologia é a parte da filosofia que interessa principalmente às ciências na medida em que estas procuram refletir sobre os seus métodos e procedimentos. O “objeto” da epistemologia é o próprio conhecer (enquanto atividade das ciências), e não o objeto que cada ciência  isolada estuda. Assim, embora a filosofia também exerça um tipo de conhecimento, este se difere daquele exercido pela ciência.  Enquanto o conhecimento, na ciência, aplica-se a um objeto, o conhecimento que a filosofia realiza se aplica sobre o próprio conhecimento da ciência, estudando principalmente como ele ocorre e quais suas bases.
A Ética e a Moral são as duas disciplinas filosóficas  que se ocupam do agir humano.  Por isso, estas são as disciplinas da filosofia que mais interessam  à Economia, à Política e ao Direito, pois estas três ciências  estão intimamente associadas ao agir humano, ou seja, à vontade enquanto faculdade.
 O sentir é uma atividade da alma humana  estudada por uma disciplina da filosofia intitulada Estética . Alguns desdobram o sentir também em fazer. Em grego, fazer se diz “poiésis”, nascendo assim o termo poética. O fazer da poética não é o mesmo que o agir da ética. Nesta, trata-se do agir humano,ao passo que o fazer da poética concerne ao criar uma obra de arte. E aqui pode nascer uma questão decisiva:se a obra a ser criada é  a própria vida que se leva, surge então uma íntima relação entre a arte e a ética, entre a poesia e como agimos/vivemos,nascendo assim o que Foucault chamava de “estética da existência”, que é, na verdade, uma “poética da existência”. Aqui, não apenas o fazer e o agir se revelam como arte, como também o próprio pensar: este se mostra então como criação e produção de sentido para a vida.
Por tratar das maneiras e capacidades da alma humana de sentir, a Estética interessa principalmente às artes ( pintura, cinema, música, poesia, etc.). Desse modo, através da Estética  a filosofia realiza uma interseção com as artes. É por isso que podemos afirmar que a filosofia não está apenas nos livros de filosofia, mas também nos filmes, nas músicas, nas poesias e nas pinturas ¾ na medida em que essas artes , tocando a nossa sensibilidade, faz-nos também pensar.
 É preciso deixar claro que o pensar, o conhecer, o agir e o sentir não são atividades  estanques. Afinal, para agir, por exemplo, é preciso sentir. Por outro lado, muitos danos podem ocorrer quando agimos sem pensar. E quem pensa sem sentir não pensa verdadeiramente.
Na história da filosofia vemos os filósofos discordarem sobre qual atividade é a mais importante. Os racionalistas, por exemplo,   conferem total supremacia à razão e pouca relevância à sensibilidade. Por este motivo, eles acreditam que somente podemos conhecer algo de verdade se nos afastarmos de nossa sensibilidade.  Por outro lado, há filósofos que   tendem a dar maior importância ao desejo e à sensibilidade,denunciando os excessos da razão.
 Conforme dizia o escritor Balzac, “quando a forma predomina, desaparece o sentimento”. Em nossa alma, a razão é a faculdade mais formal de todas. Daí seu perigo quando se confunde o pensar com o mero conhecer.
Então, através da Epistemologia a filosofia oferece elementos para as ciências compreenderem melhor seus métodos e procedimentos; por intermédio da Moral e da Ética a filosofia  estabelece um diálogo sobretudo com a Política e o Direito , fornecendo elementos críticos para se compreender tais atividades e estabelecer suas finalidades;  pela Estética ( e pela Poética)  a filosofia explora o mesmo território que as artes também exploram: a nossa sensibilidade. Mas de todas as atividades da alma a que mais caracteriza a filosofia é exatamente o pensar. O pensar é a mais importante atividade da filosofia justamente porque  ele não interessa apenas à filosofia, mas a todos enquanto conhecemosagimos e sentimos.  Portanto, sempre que procuramos seja pensar o que sentimos, seja pensar como e porque agimos  ou pensar o que conhecemos,  de imediato começamos a filosofar.
Pensar, enfim, é questionar.  A filosofia é a arte do questionamento.Pensar também é conceber. Conceber é criar. De conceber nasce "conceito": " o que foi concebido, gerado, produzido".Assim, um conceito nunca é achado pronto, ele nunca é ou está dado. Ele também é produzido, inventado. Aqui, poesia e filosofia encontram um rico diálogo, pois "inventar aumenta o mundo"(Manoel de Barros).












[1] “Reducionismo” significa: reduzir a complexidade e heterogeneidade  da realidade a apenas um aspecto, que é utilizado então para explicar tudo.

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