(trecho do livro)
- Rebeldias
Quando adolescente, Manoel de Barros conhece Oswald de Andrade e
faz suas primeiras leituras de Rimbaud. Mais do que simples leituras, foram verdadeiras experimentações com o verbo o que
se estabeleceu nesse contato. Deriva daí
a percepção , que se enraíza em Manoel de Barros, das estreitas relações entre a arte e uma
certa rebeldia da qual só o artista é capaz: a rebeldia contra o clichê. Eis
como o poeta procede:
“Pegar certas palavras já muito usadas, como as velhas prostitutas, decaídas,sujas de sangue e
esterco pegar essas palavras e
arrumá-las num poema , de forma que
adquiram nova virgindade. Salvá-las, assim, da morte por clichê.”( Sobreviver
pela palavra, Gramática expositiva do chão, p. 308).
“Salvar as palavras ordinárias” de sua prostituição
utilitária, pois a submissão ao clichê faz da palavra uma prostituta. Por isso,
crê o poeta,
“temos de molecar o
idioma para que não morra de clichê”.
E mais: “a grande poesia
há de passar virgem por todos os seus estupradores.” Essa rebeldia também consiste em “perder a inteligência das
coisas para vê-las”, prática esta que Manoel de Barros confessa ter colhido em
Rimbaud.
“Perder a inteligência”:
despir os seres e acontecimentos das
vestes das palavras utilitárias e conceitos universais, para assim ver o que
José Gil designa de “imagem-nua”.Esta consiste no que resta dos seres quando
retiramos o aparato conceitual que a inteligência projeta sobre eles, assim
apagando suas respectivas diferenças e singularidades. A “imagem-nua” :
experimentação estética do real.
Libertar a percepção do
predomínio da inteligência significa imbuí-la
de uma potência exploratória e inventiva , e assim fazê-la um
instrumento do pensamento questionador.
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