Pensei num labirinto de labirintos,
num sinuoso labirinto crescente que abarcasse o
passado e o futuro
e que envolvesse, de algum modo, os astros.
Jorge Luis Borges
Teseu representa a racionalidade simbolizada pelo homem como padrão.Teseu anda sempre firme, não dá um passo sem planejar antes onde pisa e como pisará.Teseu teme o imprevisto, e evita tudo o que não cabe em uma forma. Teseu quer a tudo dominar com régua e compasso. Seu caminho é feito de estradas retas , às vezes curvas.Mas raramente ele salta ou sai para “andar atoamente”, como diria Manoel de Barros.Um dia, uma vontade nasceu em Teseu: matar o Minotauro. Este era um ser híbrido: nem homem e nem touro, mas a soma dos dois, cujo todo fazia nascer um ser diferente do que a mera soma das partes.E era isso que o fazia um monstro: ele não era uma coisa ou outra, porém as duas ao mesmo tempo, e esta coisa que ele era não se podia classificar segundo um conceito.Um ser desse somente podia morar em um labirinto. Onde todos se perdem: era aí que o Minotauro se sentia em casa...O labirinto é um lugar que se entra, mas do qual não se sai, embora ele não seja infinito. No labirinto vira-se à esquerda ou à direita indistintamente, o que fere a lógica da direção. O labirinto é o fragmentar de uma reta, e é por isso que ele choca. Ele é o fragmentar infinito de uma mesma reta que não leva mais a nenhum lugar.Estranhamente, o centro do labirinto não é como o centro de um círculo ou como o centro de uma caverna, uma vez que ele não é um centro que abriga ou protege; ao contrário, nunca se sabe quando se chega nele, pois isso equivaleria a conhecer a própria ignorância. Contudo, conhecer a própria ignorância já é vencê-la. O labirinto não nos permite conhecer para onde se vai ou de onde se veio. Há apenas o desejo de se sair dele, sem se saber os meios. Pois o que poderia ser um meio para dele se sair, pode ser um meio para nele entrar e se perder, sem se saber se se está no meio dele ou perto de sua saída. O Minotauro mora no centro do labirinto.Quem descobre o centro do labirinto, encontra o Minotauro, desse encontro não há sobrevida... É a loucura, o absurdo da vida.Ligados umbilicalmente, um homem e uma besta, um homem e uma fera. E os dois formam um só. Isto devora e nos devora: devora o que em nós é homem. É a isto que Teseu não tolera, este um feito de contrários, pois isso impediria, segundo ele, a distinção do Bem e do Mal, do Racional e do Animal, enfim, da Lei e da Força.Mas o que Teseu desconhece é que tanto ele quanto o Minotauro são possibilidades da vida: o animal fundido com o homem, com o predomínio daquele; o racional junto ao animal, com aquele reprimindo este. Teseu pensa que pode vencer o Minotauro, e de fato o poderia se o encontrasse em céu aberto, sob a luz do sol da Razão. Todavia, Teseu ignora que não pode vencer o labirinto.O impede de vencer o labirinto exatamente a arma da qual ele extrai seu poder: o conhecimento retilíneo, racional.Para entrar no labirinto , Teseu teria que se despir de sua lógica. Entretanto, se isso ele fizesse, ficaria Teseu sem seu escudo e sem sua arma.
Então, o salva um terceiro aspecto da vida: Ariadne. Em grego, Ariadne provém de um termo que significa “aranha”. A teia da aranha é uma espécie de labirinto onde a aranha aprisiona suas presas. Assim, Ariadne é uma produtora de labirintos, é por isso que ela o conhece bem, pois conhecer uma coisa é ser capaz de produzir a idéia que nos permite conhecê-la. Ariadne não está presa dentro de um labirinto, tal como o está um prisioneiro dentro de uma cela, sobretudo se esse prisioneiro ignora a prisão e imagina que a cela o torna forte pelo fato de ninguém conseguir sair dela, tal como acontece com o poder do Minotauro, que é o mero poder da destruição; tampouco Ariadne vive o labirinto como se fosse um meio externo que a limitasse . Artista, ela conhece como se produz um labirinto, e sabe que para vencer um labirinto é preciso um fio, uma linha. Não uma linha que se traça com esquadro ou régua, mas uma linha que se desprende de um novelo, e que permanece ligada a este, tal como permanece ligado o produto ao seu produtor, o raio à fonte de luz, os atos ao seu autor, o rio à sua nascente. O novelo é uma virtualidade da qual a linha nunca se separa, o que faz dela uma linha de fuga, como diriam Deleuze e Guattari. Entre o racional de Teseu e o irracional do Minotauro está Ariadne como expressão da Arte. É com o fio de Ariadne que Teseu, desperto, entra no labirinto e mata o irracional enquanto este dorme. O fio de Ariadne, fio do Amor, permite a Teseu entrar e sair do labirinto, sem morrer ou enlouquecer. Porém, Teseu apenas seduzira Ariadne, pois logo a abandona quando consegue lograr seus intentos neuróticos. Todavia, por muito tempo não chorou Ariadne, logo a desposa Dioniso, o Deus cujo nome seu poder revela: Di-oniso, “aquele que nasceu duas vezes”,onde o segundo nascimento, que é em verdade um renascimento, explica e dá sentido ao primeiro nascimento.Enquanto não se renasce, renascer nesta vida onde nascemos e não noutra, o primeiro nascimento permanece obscuro, sem sentido, um mero viver ao sabor do que acontece.O renascer não é uma outra vida: mas potencialização da Vida que nasce, renovada, de si mesma.
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