terça-feira, 18 de novembro de 2014

a fonte do poeta

Ele era um homem comum: nem melhor , nem pior do que os outros.Perto de sua casa passava um rio.Ele via o rio todos os dias. Ora nele se banhava, ora pescava, ora se divertia.Do rio ele extraía o útil e o lúdico. Ele pensava que conhecia bem o rio, o rio que por sua casa passava.
Mas houve um dia que lhe nasceu uma questão: onde nasce esse rio? Onde fica sua fonte, sua nascente? Ele desejou então buscar a nascente, subindo pela margem, próximo à corrente.
Não demorou muito para ele ver que o rio conhecia paisagens diferentes daquelas que cercavam sua conhecida casa. O homem atravessou lugares que nunca antes viu. Faltava-lhe agora mapa, bula, opinião. Doravante,apenas o rio era  o fio ao qual ele se agarrava, para assim vencer labirintos. Ele pensou em desistir , pensou voltar. Teve medo, teve horror, teve desesperança. Podia ele confiar  naquele rio?
Contra si mesmo, ele continuou. As águas foram ficando cada vez mais translúcidas, e melodias inauditas ele ouvia vir da multicolorida mata.As borboletas perderam medo dele:elas pousavam em seus ombros. Em tudo havia música. Já não havia dúvidas: a fonte  não estava mais longe.Ele veria onde o fluxo nasce.
De repente, ele viu.Ele viu o que nunca antes nenhum homem pôde olhar.Ele viu a banhar-se na fonte a deusa Atena, a deusa da Sabedoria.E a Sabedoria estava nua.A Sabedoria não vestia nenhuma teoria, nenhuma fórmula, nenhum número, nenhuma verdade, nenhum dogma. Ela estava completamente nua, inocente.E o homem então viu que quando a sabedoria se despe das vestes acadêmicas, é como poesia que ela se mostra.
Atena virou-se para ele e viu amor nos olhos daquele homem.E quem vê nascer em si  um amor assim nunca mais será o mesmo.Quem vê a sabedoria nua vê tudo o que se pode saber. Nada mais precisa ver.É nas fontes que a sabedoria está. Quem a vê nunca mais a esquece, nunca mais a deixa de ver.
E foi assim que esse homem se tornou um sábio, através dessa metamorfose nascida de uma visão poética, onde tudo o que se precisava  saber ele viu, para nunca mais esquecer.
No mito grego esse homem se chamava Tirésias.Para protegê-lo da cegueira dos homens, a deusa o cegou para aquilo que os homens chamam de realidade. Mas os olhos do seu espírito estariam sempre a vê-la, e Tirésias compreendeu que nada mais ele precisaria ver, a não ser ela, a Sabedoria.E que não se pode olhar para a Sabedoria sem  os olhos do amor.

Mas esse homem também poderia se chamar Manoel: o sábio-poeta que descobriu que dele brota uma “visão Fontana”.


2 comentários:

Unknown disse...

Inexplicavelmente lindo! Extraordinariamente profundo! "E o homem então viu que quando a sabedoria se despe das vestes acadêmicas, é como poesia que ela se mostra". Minha alma só consegue sorrir diante de palavras como essas... Obrigada pela oportunidade de lê-las. Que doce homenagem ao querido Manoel! Abraços, professor!

Elton Luiz Leite de Souza disse...

Olá, Flávia!
Grande e simples Manoel, o sábio-poeta.
Obrigado pela visita!
Um grande abraço,