Há uma passagem do livro “Assim falou Zaratustra”, de Nietzsche, na qual Zaratustra cede às lamúrias de um anão
que o seguia.
É preciso entender “anão”, aqui,
não no sentido literal. Em Nietzsche, o “anão” simboliza um ser reativo
portador de pequeneza de alma e de visão.
Nesse sentido nietzscheano, é sempre um anão existencial e de espírito
quem tem visão estreita, mesmo que possua 1,80 de altura ( como no modelo de homem
ariano-militarista propagado pelos nazifascistas,
os de ontem e os de hoje).
Queixando-se ressentidamente, o anão suplicava para que Zaratustra o
carregasse nos ombros. Uma vantagem o anão disse que Zaratustra extrairia desse
favor: o anão veria o caminho e guiaria Zaratustra.
Então, Zaratustra instalou o anão
sobre seus ombros e seguiu sua viagem.
Porém não avançou muito, pois logo
o anão começou a advertir Zaratustra dos perigos do caminho, perigos esses que
o anão acreditava ver logo ali adiante. Zaratustra, contudo, nada via.
O anão insistia, desesperado. Afirmava que logo ali havia um abismo, e
antes deste um muro, e antes destes ainda ladrões, e lobos, e armadilhas, e a
maldade, enfim. Chorando pelo destino dos dois, já se imaginando roubados,
envenenados, traídos, mordidos, dilacerados, enfim, vencidos, o anão julgou que
o melhor seria parar, sentar, talvez se ajoelhar, e implorar aos carrascos
perdão.
Zaratustra já se inclinava para prostrar-se derrotado
quando, de repente, um grito veio de dentro dele e, indignado, protestou : “Pera lá, anão! Você quer é me
submeter à tua covardia, às tuas pernas curtas!”.
Livrando-se das seduções da
autopiedade resignada, Zaratustra
expulsou o anão de suas costas. Foi a voz da vida, da vida que resiste e avança, que protestou
contra a resignação apática e derrotista que já tomava conta do querer de Zaratustra.
Às vezes, essa voz da indignação precisa fazer-se alta para acordar quem dorme para a vida. Quando
são as coletividades que dormem, disso se aproveitam as tiranias...
Nos já despertos, porém, essa voz que acorda sabe fazer-se canto de
afetos revolucionários, como nos versos da poeta chilena Violeta Parra; ou até mesmo se transfigurar em assobio libertário, como em Manoel de Barros: “o andarilho abastece de pernas as distâncias”,
ensina-nos o poeta enquanto avança com seus passos firmes e perseverantes , passos
acompanhados de um olhar que , horizontando-se, nos ajuda a ver longe.
Letra-poema de Violeta Parra:
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