sexta-feira, 2 de junho de 2023

zaratustra & manoel

 

Há uma passagem do livro “Assim falou Zaratustra”, de Nietzsche, na  qual Zaratustra cede às lamúrias de um anão que o seguia.

 É preciso entender “anão”, aqui, não no sentido literal. Em Nietzsche, o “anão” simboliza um ser reativo portador de pequeneza de alma e de visão.

Nesse sentido nietzscheano, é sempre um anão existencial e de espírito quem tem visão estreita, mesmo que possua 1,80 de altura ( como no modelo de homem ariano-militarista  propagado pelos nazifascistas, os de ontem e os de hoje).

Queixando-se ressentidamente, o anão suplicava para que Zaratustra o carregasse nos ombros. Uma vantagem o anão disse que Zaratustra extrairia desse favor: o anão veria o caminho e guiaria Zaratustra.

 Então, Zaratustra instalou o anão sobre seus ombros e seguiu sua viagem.

Porém  não avançou muito, pois logo o anão começou a advertir Zaratustra dos perigos do caminho, perigos esses que o anão acreditava ver logo ali adiante. Zaratustra, contudo, nada via.

O anão insistia, desesperado. Afirmava que logo ali havia um abismo, e antes deste um muro, e antes destes ainda ladrões, e lobos, e armadilhas, e a maldade, enfim. Chorando pelo destino dos dois, já se imaginando roubados, envenenados, traídos, mordidos, dilacerados, enfim, vencidos, o anão julgou que o melhor seria parar, sentar, talvez se ajoelhar, e implorar aos carrascos perdão.

Zaratustra já se inclinava para prostrar-se  derrotado  quando, de repente, um grito veio de dentro dele e, indignado,  protestou : “Pera lá, anão! Você quer é me submeter à tua covardia, às tuas pernas curtas!”.

Livrando-se das seduções  da autopiedade resignada, Zaratustra  expulsou o anão de suas costas. Foi a voz da vida,  da vida que resiste e avança, que protestou contra a resignação apática e derrotista  que já tomava conta do querer de Zaratustra.

Às vezes, essa voz da indignação precisa fazer-se   alta para acordar quem dorme para a vida. Quando são as coletividades que dormem, disso se aproveitam as tiranias...  

Nos já despertos, porém, essa voz que acorda sabe fazer-se canto de afetos revolucionários, como nos versos da poeta chilena Violeta Parra;  ou até mesmo se transfigurar em assobio  libertário,  como em Manoel de Barros:  “o andarilho abastece de pernas as distâncias”, ensina-nos o poeta enquanto avança com seus passos firmes e perseverantes , passos acompanhados  de um olhar  que , horizontando-se, nos ajuda a ver  longe.





Letra-poema de Violeta Parra:




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