quinta-feira, 8 de junho de 2023

manoel e os delírios ônticos

 

Segundo o poeta-pensador Manoel de Barros, a poesia libertária que afeta e faz pensar é  sempre “delírio ôntico”.  A palavra “delírio” vem de “de-lira”: "fora da lira".

Na Grécia, a palavra “lira” designava , ao mesmo tempo, o nome do instrumento musical tocado por Orfeu, o poeta originário, e também os sulcos paralelos feitos na terra para se plantar uma semente. Os sulcos paralelos na terra lembram as cordas paralelas da lira.

Porém, há dois tipos de delírio: o mórbido-destrutivo-doentio e o poético-criativo-pensante.

Quem delira morbidamente , como no delírio autoritário por poder, lança suas ideias e palavras fora da lira, fora dos sulcos : nada germina de tais palavras e ideias. É por isso que delirantes assim recorrem à violência, física ou simbólica, para tentarem se impor.

Mas com o delírio poético-criativo-pensante  é diferente : às vezes , um criador-pensador cria uma ideia-semente tão nova e potente que ela não cabe nos sulcos antigos, sendo necessário criar novos sulcos para a ideia-semente nova ser lançada e cuidada , tal como uma sinapse-sulco  nova na qual germinará um pensar novo que educa , emancipa e horizonta a mente.

Em grego, "on" é  "ser" ( de onde nasce "ontologia":  “estudo do ser”). Assim, o "delírio ôntico", ao contrário do delírio mórbido, é prática poética-filosófica de criar novos sentidos para o viver.

 

"O Chapeleiro:

- Estou com medo, Alice. Não gosto daqui!

Minha cabeça está cheia... Será que sou louco?   

Alice:

- Receio que sim, você é louquinho...

Mas vou lhe contar um segredo: as melhores pessoas são."


(Trecho de “Alice no país das maravilhas”, fruto dos delírios ônticos de Lewis Carroll)

 

( Perdoem-me citar a mim mesmo  através do  livro que acompanha a postagem, juro que não é narcisismo...rs...É que a capa expressa , por imagem, o que tentei dizer  no texto da postagem:  espinosisticamente  perseverante, a vida sempre acha um sulco improvável  por onde germinar , mesmo onde parecia impossível,  tal como a folhinha-broto  produzindo  sua “linha de fuga” através da fenda)




 




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