quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

o que nos põe de pé

 

É por volta dos seis  anos que a criança começa a levantar questões: “o que é vida?”, “o que é o tempo?”, “de onde vim?” , “para onde vou?”... Primeiro foi  o seu pequeno  corpo que, quando ainda bebê e com o auxílio da mãe, aprendeu a pôr-se de pé vencendo a gravidade ,  levantando-se do chão. Agora, é o pensar dela que começa a se  levantar e a pôr-se de pé, querendo a compreensão de si e do mundo. É de pé que se podem ver  horizontes, tanto os externos quanto os internos : o pôr-se de pé já é um “horizontar-se” ,  ensina o poeta Manoel de Barros. Esse impulso para levantar-se é a força da vida se expressando na criança; e a educação nada é se não for um meio para manter esse impulso ainda mais vivo e potente, pois é na singularidade da criança que também se ergue a humanidade, por mais que tiranos a queiram de joelhos. A criança levanta questões para levantar-se. E mais importante do que as respostas que possamos dar, mais importante é manter vivo esse impulso de questionar , para que a criança, crescendo por fora e por dentro, possa se levantar mais alto do que a gente mesmo que a ajuda a levantar-se : para que o futuro que há nelas também   nos erga. Quando levanta questões, a criança não quer que a gente a coloque nos nossos ombros  para torná-la dependente  das  nossas pernas adultas cheias de certezas; ela quer se levantar com as própria pernas, mesmo que seja para depois sair correndo brincativamente numa  linha de fuga lúdica. E se nossas pernas quiserem alcançar aonde vão as crianças, é preciso criar em nós também um devir-criança.  Pois a própria criança nos ensina que pensar não é reproduzir ou obedecer, pensar é erguer, erguendo-se. E o tamanho conquistado será da amplitude das questões levantadas.

Para Fernando Pessoa,   o que nos põe de pé não são pés e pernas, o que nos põe de pé é a coluna  cervical , cujo formato lembra exatamente um ponto de interrogação [? ].  Os pensamentos e quereres nascem na cabeça, porém não chegariam às mãos e pernas, transformando-se em ação sobre o mundo,  se não fosse pela coluna cervical  que transforma pensamentos e quereres em impulso que move o corpo. A coluna cervical une a teoria à prática, o sonho à realidade, a utopia à efetividade, o que apenas pensamos internamente  ao que precisa ser feito  externamente e no mundo.

Certa vez perguntaram ao poeta Sérgio Sampaio o que ele achava do envelhecer e do passar dos anos. O poeta respondeu mais ou menos o seguinte: “Cada ano que passa é um garoto novo que o tempo junta aos outros garotos que ele em mim já criou. Hoje tenho 40 anos : são 40 garotos que sou. Cada um deles me recriou”.


( imagem: “Poesia” / Haroldo de Campos)








Nenhum comentário: