O filósofo Kierkegaard propunha
como conversão à vida autêntica um método não dialético de ensino/aprendizado,
no qual aquele que ensina também aprendia junto com aquele que se queria
ensinar. Na relação tradicional, de comunicação direta, mas unilinear, alguém
que supostamente sabe, o professor-mestre, ensina conteúdos a seu aluno. Nessa
forma de relação dual, o conhecimento parte de um polo ativo, aquele que sabe,
e se dirige a um polo passivo, aquele que deve aprender. Se o suposto aluno,
por mera pretensão ou com conhecimento de causa, nega o que ensina o professor,
com intenção de corrigi-lo ou superá-lo, instala-se um conflito dialético.
Kierkegaard questionava
esse modelo submisso/conflituoso, exatamente pela sua dualidade. A autêntica
comunicação nunca é dual, mas triádica. É preciso, diz ele, achar um terceiro
que seja, pela sua vida, o que se quer que aquele que aprende seja. Ao invés do
“faça isto que mando” ou “imite isso que sou”, sugerir um comportamento ou
atitude mediante a inspiração de um terceiro. Desse modo ,aquele que ensina se habilita a
falar porque, antes, viu, ouviu, afetou-se por algo dele diferente. Não é apenas um conteúdo abstrato que
ele ensinará, ele ensinará uma experiência, um agenciamento. Ensinará
não exatamente verdades, ensinará
perspectivas: é para ter uma que aquele que aprende deverá , através
daquele que ensina, alcançar sua própria visão daquilo que o educador viu,
experimentou.
Assim, não apenas
àquele que aprende será comunicado um ensinamento, será ensinado também àquele
que ensina: ambos aprenderão. Esse terceiro não precisa ser um mestre, um iluminado,
um douto. O próprio Kierkegaard evoca a criança como um terceiro, e assim também
o fez Nietzsche, Deleuze, Heráclito e Manoel. Esse terceiro se torna um
intercessor. Deleuze às vezes evoca o tordo, noutras a orquídea e a vespa.
Esses também se tornam um terceiro que comunica indiretamente uma mensagem que
não é feita apenas de palavra. Aquele que ensina se torna o meio e o agente
dessa comunicação indireta, aprendida por aquele que ensina, para que assim a
ensine aprendendo. É sempre um terceiro que ensina àquele que ensina, de tal
modo que aquele que aprende melhor conhecerá aquele terceiro quanto menor for a
distância entre aquele que ensina e o exemplo: aquele que ensina deve ser o
exemplo do exemplo.
A autêntica comunicação
é sempre indireta: comunicamo-nos com o outro através de um terceiro que também
nos comunica através do que comunicamos ao outro. Aí está, talvez, o autêntico
educar, educando-se. Uma conversa a três, nunca a dois. E nem sempre o terceiro que escolhemos como exemplo do que queremos ensinar sabe falar, contar, medir ou teorizar. Às vezes, ele sabe apenas singularmente cantar, como o livre tordo; ou ser inocente, brincativamente,como a criança.
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