segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Kierkegaard : a comunicação indireta


O filósofo Kierkegaard propunha como conversão à vida autêntica um método não dialético de ensino/aprendizado, no qual aquele que ensina também aprendia junto com aquele que se queria ensinar. Na relação tradicional, de comunicação direta, mas unilinear, alguém que supostamente sabe, o professor-mestre, ensina conteúdos a seu aluno. Nessa forma de relação dual, o conhecimento parte de um polo ativo, aquele que sabe, e se dirige a um polo passivo, aquele que deve aprender. Se o suposto aluno, por mera pretensão ou com conhecimento de causa, nega o que ensina o professor, com intenção de corrigi-lo ou superá-lo, instala-se um conflito dialético.
Kierkegaard questionava esse modelo submisso/conflituoso, exatamente pela sua dualidade. A autêntica comunicação nunca é dual, mas triádica. É preciso, diz ele, achar um terceiro que seja, pela sua vida, o que se quer que aquele que aprende seja. Ao invés do “faça isto que mando” ou “imite isso que sou”, sugerir um comportamento ou atitude mediante a inspiração de um terceiro. Desse modo ,aquele que ensina se habilita a falar porque, antes, viu, ouviu, afetou-se por algo dele diferente. Não é apenas um conteúdo abstrato que ele ensinará, ele ensinará uma experiência, um agenciamento.  Ensinará não exatamente verdades,  ensinará  perspectivas:  é para ter uma que aquele que aprende deverá , através daquele que ensina, alcançar sua própria visão daquilo que o educador viu, experimentou.
Assim, não apenas àquele que aprende será comunicado um ensinamento, será ensinado também àquele que ensina: ambos aprenderão. Esse terceiro não precisa ser um mestre, um iluminado, um douto. O próprio Kierkegaard evoca a criança como um terceiro, e assim também o fez Nietzsche, Deleuze, Heráclito e Manoel. Esse terceiro se torna um intercessor. Deleuze às vezes evoca o tordo, noutras a orquídea e a vespa. Esses também se tornam um terceiro que comunica indiretamente uma mensagem que não é feita apenas de palavra. Aquele que ensina se torna o meio e o agente dessa comunicação indireta, aprendida por aquele que ensina, para que assim a ensine aprendendo. É sempre um terceiro que ensina àquele que ensina, de tal modo que aquele que aprende melhor conhecerá aquele terceiro quanto menor for a distância entre aquele que ensina e o exemplo: aquele que ensina deve ser o exemplo do exemplo.

A autêntica comunicação é sempre indireta: comunicamo-nos com o outro através de um terceiro que também nos comunica através do que comunicamos ao outro. Aí está, talvez, o autêntico educar, educando-se. Uma conversa a três, nunca a dois. E nem sempre o terceiro que escolhemos como exemplo do que queremos ensinar sabe falar, contar, medir ou teorizar. Às vezes, ele sabe apenas singularmente cantar, como o livre tordo; ou ser inocente, brincativamente,como a criança.




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