quarta-feira, 13 de julho de 2016

o nascimento de dioniso


Quem o mais profundo pensa,
ama o mais vivo.
Hörderlin


(trechos do livro sobre Manoel)

Em um período não muito distante daquele em que Platão escreveu, evocava-se Dioniso como o deus cuja natureza melhor expressaria a essência da arte.Esse fato está inscrito no  nome do deus*: Di-oniso, aquele que nasceu duas vezes. Isto porque este deus foi gerado a partir da união de Zeus com uma simples mortal. Reside em Dioniso, então, a convivência de dois mundos, o humano e o divino,  que não se misturam, mas que nele fazem um. Ainda criança, Dioniso fora vítima de seus irmãos da parte divina, que em fúria o despedaçaram. Ao ver tal cena, Zeus se perguntou em qual  daquelas partes o pequeno Dioniso estava inteiro, pois  esta parte seria , sem  dúvida, divina. Zeus descobriu então que era no coração que Dioniso se encontrava. Foi então do coração, a parte que contém o todo, que Zeus fez nascer novamente o deus. Mas esse nascimento através do coração foi, em verdade, um renascimento. O coração expressa o afeto, a sensibilidade ―  que é, como diz o poeta, o “entendimento do corpo”. 
A relação de Dioniso com o teatro e a arte em geral se deve ao fato de que, tal como o Deus, a arte também faz a realidade nascer novamente. Através da arte, a realidade renasce. A arte faz a realidade renascer, imitando-a. Contudo, ao imitá-la, a arte reinventa a própria realidade que imita: a retira do tempo e do espaço, e desse modo a eterniza. Enquanto a reprodução da boa cópia anula a diferença em nome da semelhança, na arte a semelhança é produzida a partir de uma diferença primeira.



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Segundo Platão, na carruagem de nossa alma a razão e o desejo, o cocheiro e o cavalo preto, estão sempre em conflito. Este nasce pela impossibilidade que a razão encontra de pôr o desejo na direção dos valores morais que ela visa atingir. A disciplina moral é a rédea da razão, às vezes também seu chicote,  mas  o desejo não se dobra, resiste, e segue atraído pelas  aparências  do mundo sensível  .  Seguir  o desejo é perder-se, desorientar-se, maldizia  Platão.  Mas a alma  não pode prescindir desse rebelde cavalo preto, uma vez que é dele que provém a maior parte da energia que a  faz mover-se. 
Curiosamente, uma outra imagem da carruagem inspirou Nietzsche. Trata-se da Carruagem de Dioniso, o Deus das Artes. Segundo o mito que cerca este Deus, Dioniso se locomovia em uma carruagem, sendo ele próprio o cocheiro. Mas, ao invés de cavalos, sua carruagem era puxada por panteras. Eram temíveis  feras transportando o deus e mostrando o grande poder de Dioniso para guiar a natureza. A arte não nega ou reprime a natureza  ( como o faz o cocheiro de Platão), mas a põe a seu serviço conforme uma disciplina que não é estrangeira à potência das panteras. Na natureza, as panteras são solitárias e jamais se unem. Porém, sob as mãos da arte, as panteras se tornam forças que se conjugam, que se agenciam, e conduzem a alma por sendas onde a razão não ousa ir.
       (O triunfo de Dioniso - o triunfo sobre as feras como expressão de uma vitória sobre si mesmo)

 Dioniso transforma a agressividade destrutiva e mortífera das pulsões-panteras em potência criativa afirmadora da vida. Dioniso é o próprio desejo que se tornou guia, cocheiro, domador: somente se pode segui-lo com a condição de metamorfosear-se, conjugando disciplina e inventividade na condução da carruagem . Esta segue para onde não se sabe, pois seu destino é o próprio percurso enquanto este se faz.

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* Na verdade, Dioniso seria um semideus: na mitologia, um semideus expressa as núpcias do divino com o humano.
Para saber mais:




                                                ( Van Gogh , A vinha encarnada )

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