domingo, 5 de junho de 2016

rascunho a lápis de cor


O homem seria metafisicamente grande
se a criança fosse seu mestre.
Kierkegaard
(Epígrafe escolhida por Manoel de Barros na Primeira Parte do livro Menino do mato)


Geralmente, pensa-se no rascunho como algo que prepara o advento da forma acabada, como se o rascunho existisse apenas para  dar lugar à forma pronta: somente esta  daria sentido, retrospectivamente, à existência precária e temporária do rascunho.
 O rascunho seria um momento a serviço de um modelo. Assim concebida, a infância seria o rascunho para a adolescência, e a adolescência, o rascunho  da vida adulta. Em Manoel de Barros, porém, o rascunho não é um momento a ser ultrapassado em direção à forma de um modelo. O rascunho não é a imperfeição de uma perfeição buscada. Ele, o rascunho , é a razão de ser de si mesmo, no seu inacabamento sempre aberto, sempre a (re)fazer-se.
Em Manoel, poesia é “ir até à infância e voltar”. E aquele que vai não é o mesmo que retorna. Aquele que foi tinha celular, relógio, pretensões e  opiniões nas mãos , além de tremores e suores. O que retorna traz apenas  lápis de cor nos dedos da mão, e de mais nada sente falta. Mas para o adulto ir à infância, é necessário que ele desfaça a ilusão de que ele é um modelo que dá sentido à infância, é preciso que ache, na forma que se imagina pronta , o movimento da linha livre que a desenhou, brincada com a mão de inventar. Então, ele se perceberá como o rascunho sonhante de uma criança . Com os olhos de tal criança olhará para si ; e assim , quem sabe, regenerando-se, se transverá.



(Decifra-me - 01, de Cláudia Alves.Gravura digital, 2013 .http://www.claudiaalves.com.br/desenho-intuitivo/ )





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