DIFERENÇA E REPETIÇÃO
Repetir repetir - até ficar
diferente.
Repetir é um dom do estilo.
Manoel de Barros
Repetir não é reproduzir ou imitar.
Repetir e imitar são atividades que
diferem em natureza. Na repetição, dois elementos encontram-se presentes: o
repetido e o meio onde a repetição é levada a efetuar-se, isto é, a diferença. Desse modo, toda repetição
tem como condição uma diferença, pois é nessa última que o repetido devém o motivo da repetição. Na imitação ou
reprodução, ao contrário, a diferença é anulada ou diminuída em sua
positividade, sendo então considerada menos eminente ( moral e ontologicamente)
que o imitado ou reproduzido . Este
último é elevado à condição de Modelo para as imitações que o tomam como referência ou Fundamento.
A condição para que isso funcione
desse modo repousa na idéia de que ele, o Modelo, não seja reprodução ou
imitação de nada que lhe seja preexistente. O Modelo existe em si, não tendo
sido criado ou inventado. Ele é o critério primeiro de toda aferição de verdade
e objetividade. É a partir da
eminência do Modelo que se distribuem as hierarquias entre as imitações: a
melhor imitação , a mais elevada, é aquela que mais se aproxima do Modelo.
“Aproximar-se do Modelo” significa: “a ele assemelhar-se”. O Modelo torna-se então a Identidade
Referencial à qual toda imitação procura assemelhar-se. As melhores imitações
ou reproduções, aquelas que se encontram no ápice da hierarquia, são exatamente
aquelas cuja diferença se encontra no grau
mais baixo de potência ou afirmação de sua respectivas singularidades ou
perspectivas. Todo Modelo só se propaga com a condição de reduzir as diferenças a zero, ou ao mais próximo disso.
Ocorre na repetição que a diferença torna-se o elemento genético e
positivo que confere à repetição um critério seletivo que não é por eminência
hierárquica, mas por potência inovadora. Repetir é inovar, isto é, estender
diferencialmente a potência daquilo mesmo que se repete. Na repetição, o
próprio repetido é já repetição de um outro repetido que também é repetição,
isto é, diferença. Só a diferença tem a potência de se repetir em outras
diferenças . Só a diferença é o verdadeiro critério a servir de plano aos
agenciamentos afirmadores da multiplicidade. A diferença não é um modelo, ela é a construção de um plano.
Para a repetição, a regra é a diferença. A maçã de Cézanne , por exemplo, não imita ou reproduz a maçã
percebida, mas a repete a partir de uma diferença que se eterniza ao tornar-se visível por intermédio das tintas.
Estas últimas tornam-se maçã ao mesmo
tempo em que a maçã devém tinta, isto é, coincide com a própria perspectiva que
lhe acrescenta , por sensação, uma diferença. A maçã pintada não
existe fora da perspectiva que a produziu ( e expressa, diferencialmente, a
maçã efetiva que nela se repete).
Toda repetição é um devir do repetido. E o próprio repetido já é um
devir. Toda repetição é um devir do
repetido, no qual se acrescenta ( ao
repetido) uma diferença que o faz ser sua própria perspectiva.
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