sexta-feira, 17 de junho de 2016

o estilo como diferença

                                   DIFERENÇA E REPETIÇÃO
                                                       
                                                         
                                                            Repetir repetir - até ficar diferente.
                                                            Repetir é um dom do estilo.
                                                                    Manoel de Barros
         
Repetir não é reproduzir ou imitar. Repetir e  imitar são atividades que diferem em natureza. Na repetição, dois elementos encontram-se presentes: o repetido e o meio onde a repetição é levada a efetuar-se, isto é, a diferença. Desse modo, toda repetição tem como condição uma diferença, pois é nessa última que o repetido  devém o motivo da repetição. Na imitação ou reprodução, ao contrário, a diferença é anulada ou diminuída em sua positividade, sendo então considerada menos eminente ( moral e ontologicamente) que o  imitado ou reproduzido . Este último é elevado à condição de Modelo para as imitações  que o tomam como referência ou Fundamento.
  A condição para que isso funcione desse modo repousa na idéia de que ele, o Modelo, não seja reprodução ou imitação de nada que lhe seja preexistente. O Modelo existe em si, não tendo sido criado ou inventado. Ele é o critério primeiro de toda aferição de verdade e objetividade.  É a partir da eminência do Modelo que se distribuem as hierarquias entre as imitações: a melhor imitação , a mais elevada, é aquela que mais se aproxima do Modelo. “Aproximar-se do Modelo” significa: “a ele assemelhar-se”.   O Modelo torna-se então a Identidade Referencial à qual toda imitação procura assemelhar-se. As melhores imitações ou reproduções, aquelas que se encontram no ápice da hierarquia, são exatamente aquelas  cuja diferença se encontra no grau mais baixo de potência ou afirmação de sua respectivas singularidades ou perspectivas. Todo Modelo só se propaga com a condição de reduzir as diferenças a zero, ou ao mais próximo disso.
Ocorre na repetição que a diferença torna-se o elemento genético e positivo que confere à repetição um critério seletivo que não é por eminência hierárquica, mas por potência inovadora. Repetir é inovar, isto é, estender diferencialmente a potência daquilo mesmo que se repete.  Na repetição, o próprio repetido é já repetição de um outro repetido que também é repetição, isto é, diferença. Só a diferença tem a potência de se repetir em outras diferenças . Só a diferença é o verdadeiro critério a servir de plano aos agenciamentos afirmadores da multiplicidade. A diferença não é um modelo, ela é a construção de um plano.
Para a repetição, a regra é a diferença. A maçã de Cézanne , por exemplo, não imita ou reproduz a maçã percebida, mas a repete a partir de uma diferença que se eterniza ao  tornar-se visível por intermédio das tintas. Estas últimas tornam-se maçã  ao mesmo tempo em que a maçã devém tinta, isto é, coincide com a própria perspectiva que lhe acrescenta , por sensação, uma diferença. A maçã pintada não existe fora da perspectiva que a produziu ( e expressa, diferencialmente, a maçã efetiva que nela se repete).
Toda repetição é um devir do repetido. E o próprio repetido  já é um devir. Toda repetição é um  devir do repetido, no qual se acrescenta  ( ao repetido) uma diferença que o faz ser sua própria perspectiva.
(trecho do livro: )




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