Se as portas da percepção estivessem limpas,
cada coisa apareceria como é: infinita.
W. Blake
Penso que nasci com o olho divinatório, que é o que chamam de dom. É assim que Sófocles, no Édipo Rei, chamou. Ele disse que o artista nasce com esse olho divinatório. E que esse olho deve ser completado com outro olho, que é o olho do conhecimento. E completou que a arte é feita da reunião desses dois olhos. Isto seja: que a arte é o terceiro olho. Eu andei lendo os poetas, os filósofos, ouvindo os músicos, vendo os Picassos para ganhar o olho do conhecimento. Acho que a construção de minha poesia, que é uma construção meio caipira e meio erudita é fruto desse terceiro olho e mais de uma disfunção lírica. Essa disfunção vem do grande fastio que tenho pela palavra acostumada.
“Olho divinatório”: olho de transver as coisas, desformar a natureza. Assim, a poética de Manoel de Barros é inseparável de uma percepção. Esta não é um “fazimento cerebral”, mas um instrumento de incorporação. Incorporar as coisas é sê-las, é mimetizá-las como um camaleão.
O olho de transver é uma “visão fontana” na qual o mundo, renovado em seu inacabamento , renasce e jorra em sua eterna novidade:
Tudo que os livros me ensinassem
os espinheiros já me ensinaram.
Tudo que nos livros eu aprendesse nas fontes eu aprendera.
O saber não vem das fontes?
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